Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios- 2011. Dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca. Escrito por Marçal Aquino, Beto Brant e Renato Ciasca, baseado na obra literária de Marçal Aquino. Direção de Fotografia de Lula Araújo. Trilha Sonora Original de Simone Sou e Alfredo Bello. Produzido por Fernando Fraiha e Renato Rondon. Cinepro DOT e Drama Filmes / Brasil.
O cinema nacional vive um momento de antítese, já comentei sobre isso outras vezes aqui no Sublime Irrealidade, mas este é um tema pertinente que precisa estar sempre em pauta, basicamente temos produzido dois tipos de filmes, aqueles voltados para o grande público, que são detentores de uma linguagem novelesca e de pouca relevância artística, e aqueles que já nascem fadados a transitar apenas pelo circuíto de festivais e mostras, por terem a distribuição prejudicada por não a agradarem o grande público. Estes dois modelos até há bem pouco tempo atrás estavam separados por uma barreira quase intransponível, a questão da acessibilidade. Grandes filmes eram produzidos e não conseguiam chegar a um público que pudesse de fato valorizar suas qualidades. Todavia este cenário está começando a mudar e a internet tem sido uma das grandes responsáveis por esta mudança. Esta produção, que esteve durante anos à margem, está sendo descoberta por um público maior, e este público, por mais que esteja disperso geograficamente, tende a se tornar um potencial mercado de consumo e como o cinema (mesmo o de arte) é uma a indústria, a formação de um novo mercado tende a gerar mudanças no cenário.
Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (2011) se enquadra no segundo tipo de filme mencionado acima, apesar de ter sido relativamente privilegiado no tocante à distribuição, ele, assim como O Palhaço (2011) de Selton Mello (que também se enquadra neste tipo), recebeu diversas avaliação negativas por parte do público, apesar de terem sido, ambos, grandes sucessos de crítica. Este fenômeno mostra o quanto a audiência ainda está de certa forma presa ao modelo predominante e por isso qualquer subversão a este modelo é vista por ela como pretensiosismo ou tentativa de parecer cult. Este contexto continua prejudicar obras como esta de Beto Brant e Renato Ciasca, no entanto eu acredito que a transformação que está andamento tende no longo prazo a diminuir a influência que a opinião do público médio exerce sobre o processo de produção, não sei precisar ao certo qual será o resultado desta gradativa transformação no cenário, no entanto a vejo com bons olhos, pelo simples fato dele estar em andamento. [Pretendo ainda abordar melhor este assunto em uma outra oportunidade]
Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios passa longe de ser uma obra prima, contudo ele merece ser aplaudido de pé pelo simples fato de nos apresentar algo diferente daquilo que temos visto na grande maioria dos filmes nacionais. Ele não está completamente livre dos vícios característicos de nossa produção, mas nele até estes vícios são bem utilizados. Sua trama gira em torno de um triângulo amoroso que tem em suas pontas, o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado), o pastor Ernani (Zécarlos Machado) e a ex-prostituta Lavínia (Camila Pitanga).
A história se passa em sua maior parte em uma comunidade ribeirinha no Pará, é lá que Cauby conhece Lavínia, ela logo se torna sua musa inspiradora e modelo para suas fotografias e não demora até eles serem tomados por uma paixão tão lasciva quanto perigosa.
Lavínia é esposa de Ernani, um líder religioso que vem tentando incitar a população local a lutar contra o desmatamento e a se posicionar contra a atuação de grandes empresas que têm devastado a região.
A complexidade psicológica dos três personagens centrais do filme vai ficando evidente pouco a pouco. Através de flashbacks conhecemos a verdadeira história de Ernani e Lavínia, como eles se conheceram e como ele a ajudou a deixar para trás a antiga vida que ela levava antes deles se mudarem para o norte. Quando se conheceram, o pastor viu nela um pouco daquilo que ele mesmo fora em um passado não tão distante e isso o motiva a lutar para que ela seja liberta de cada um de seus tormentos.
Cauby por sua vez é um homem inerte, seu olhar observador de fotógrafo é dentre as suas característica a que melhor o define, ele não está disposto a brigar por nada e em poucos momentos da história vemos ele reagir à um estímulo que não seja o sexual. Estes três personagens são impactados pelos seus relacionamentos, a interação os transforma de uma forma aparentemente irreversível e a narrativa desenvolve uma interessante metáfora para descrever tal transformação...
Cauby por sua vez é um homem inerte, seu olhar observador de fotógrafo é dentre as suas característica a que melhor o define, ele não está disposto a brigar por nada e em poucos momentos da história vemos ele reagir à um estímulo que não seja o sexual. Estes três personagens são impactados pelos seus relacionamentos, a interação os transforma de uma forma aparentemente irreversível e a narrativa desenvolve uma interessante metáfora para descrever tal transformação...
A questão ambiental, que serve de pano de fundo para a história, não pode ser analisada tão somente como uma tentativa do filme (ou do livro que o originou, que ainda não li) de parecer politicamente engajado, afinal ela se apresenta mais como uma metáfora dos relacionamentos entre os personagens do que como uma forma de protesto.
No filme, Lavínia é um objeto de cobiça. Ainda que por motivações diferentes, tanto Cauby, quanto Ernani, querem exercer domínio sobre ela, o primeiro apenas consegue enxergá-la (à princípio) como objeto de desejo e de inspiração, enquanto o segundo vê nela um caminho para a própria redenção. Em ambos os casos pode ser percebida a questão da posse, Cauby quer o corpo, Ernani a alma. Ao interagir com eles, ela insurge num primeiro momento como uma força desconhecida e incontrolável, o que fica evidente em duas sequências do filme, todavia esta força pouco á pouco se esvai, ela se enfraquece à medida que o domínio é exercido sobre si.
Um paralelo pode ser feito entre a degradação da natureza e a decadência física e psicológica que a ex-garota de programa vive na história: Ambas, Lavínia e a natureza, se levantaram como forças ameaçadoras, mais acabam se rendendo diante da dominação que lhes é imposta. Em uma de suas passagens mais belas, o filme mostra uma tomada área da região onde a história se passa, imagens da beleza natural do local contrastam com outras que mostram uma área já degradada, esta sequência antecede um outra que mostra a personagem Lavínia em um estado bastante deplorável (que por sua vez contrasta com a imagem dela nas primeiras cenas do filme), este é um dos trechos nos quais a metáfora que mencionei acima fica ainda mais explícita. Em outro momento, um dos personagens toma a a moça nos braços como se ela fosse uma posse que acabara de ser reavida, esta passagem nos remete à forma com que o homem se apropria da natureza para extrair dela todos seus recursos, sendo que ela não é propriedade sua.
Camila Pitanga está excelente na pele de
Lavínia, sua total entrega à interpretação é simplesmente assustadora. A atriz, que é pura sensualidade, consegue expressar com um pungente realismo tanto a força quanto a fragilidade de sua personagem. Ela com sua beleza quase hipnótica consegue chamar a atenção para si a ponto de ofuscar todas as outras atuações. Gustavo Machado e Zécarlos Machado também estão muito bem, mas faltam a eles o mesmo tipo de entrega que percebemos na atuação da Camila. O desempenho do ator Gero Camilo, que aparece como um coadjuvante de luxo, também merece destaque, ele interpreta um jornalista (aspirante a poeta) amigo de Cauby, personagem que ajuda a pontuar algumas das diversas reflexões propostas pelo filme, é dele uma das citações mais emblemáticas do longa: "Santa é a carne que peca!"
Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios possui alguns pequenos problemas em seu roteiro que acabam o prejudicando, em diversos momentos ficam pontas soltas e a sensação de que determinadas situações poderiam ter sido melhor aproveitadas. Já no tocante à parte técnica, o filme não deixa nada a desejar, sua fotografia é muito bem trabalhada, o que resulta em imagens belíssimas, o bom uso das tonalidades de cores e a ênfase que se dá a algumas delas em determinadas cenas reforça ora o erotismo, ora a selvageria que nos remete à ideia da natureza não domesticada. A trilha sonora, que faz excelente uso da musicalidade regional, também merece destaque.
Como eu já havia dito acima, Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios não pode ser considerado uma obra prima, mas não tenho dúvidas de que ele merece ser visto, principalmente por aqueles que já se desprenderam suficientemente do convencionalismo e da preguiça artística e intelectual do cinema mainstrean nacional, os demais provavelmente dirão que ele é chato... Eu, lógico, recomendo!
Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios ganhou o prêmio de Melhor Atriz (Camila Pitanga) no Festival do Rio em 2011.
Assistam ao trailer de
Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios no You Tube, clique AQUI !
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,