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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Exit Through the Gift Shop

Exit Through the Gift Shop - 2010. Dirigido por Banksy. Música Original de Roni Size. Produzido por Holly Cushing, Jaimie D'Cruz e James Gay-Rees. Paranoid Pictures / USA | UK.


Exit Through the Gift Shop estreou em 2010 no Festival de Sundance, o maior do cinema independente americano, desde então ele tem causado controvérsias entre críticos, cinéfilos e apreciadores da street art, tema sobre o qual ele discorre. Em 2011 ele foi, por ironia do destino, indicado ao Oscar de Melhor Documentário, prêmio que perdeu para Trabalho Interno, a indicação recebida foi irônica porque uma das maiores polêmicas em torno dele se deve ao fato de que não se sabe ao certo se ele pode ou não ser considerado um documentário - abordarei isso mais adiante. Antes mesmo de sua estreia ele já estava causando frisson, afinal o realizador por trás dele era ninguém menos que Banksy, o grafiteiro inglês que tem sacudido os circuítos internacionais de arte com suas obras politizadas e sarcásticas, que estão espalhadas por diversas partes do mundo. 

Não se sabe ao certo qual a verdadeira identidade de Banksy, nem se ele seria de fato uma única pessoa, ou um grupo agindo sob um pseudônimo e boa parte do alarde que se tem feito em torna da obra dele é motivado pelas contradições entre a postura anárquica que ele adota e aquilo no que sua produção tem se transformado; de um contraventor ele passou a um renomado artista, cujas obras são vendidas a preços milionários em algumas das galerias mais importantes do mundo. De alguma forma tais contradições se refletem no filme dirigido por ele, talvez mais que isso até, há a possibilidade de que o filme seja tão somente sobre elas... Ao analisarmos Exit Through the Gift Shop perceberemos que ele funciona como uma profunda reflexão sobre o consumo e a criação artística no mundo contemporâneo.


A sequência de abertura do filme é simplesmente maravilhosa, ao som da canção Tonight The Streets Are Ours de Richard Hawley, ela mostra diversos grafiteiros em ação na noite, o resultado de suas intervenções no ambiente urbano e a repressão policial à elas. Neste primeiro momento entramos em contato com aquilo que seria a essência da street art: contestação e contravenção. Em seu decorrer o suposto documentário mostra como estes elementos são absolvidos pela indústria cultural se tornando desta forma inofensivos e rentáveis. A agitação artística vinda das ruas, que chega a ser apontada em determinado momento como o "maior movimento contra-cultural desde o punk", vai pouco a pouco sendo superficializada e incorporada pela cultura pop, que cria a partir de então mitos e ídolos em torno dela. O próprio Banksy seria transformado em um mito e em seguida em um ídolo, contudo, para a decepção de alguns, a personalidade focada pelo filme não é ele, mas um francês radicado em Los Angeles chamado Thierry Guetta.


Após a introdução, Banksy aparece (com o rosto oculto, lógico) para apresentar o assunto que seu documentário abordará: A trajetória do francês aficionado pela street art. Guetta tinha se tornado obcecado por registrar com uma câmera cada momento de sua vida, tal compulsão começara depois que sofreu um grande trauma, que lhe trouxe a compreensão do quanto as sensações que vivemos são efêmeras. Ele entra em contato com a arte de rua pela primeira vez quando viaja à França para passar uma temporada com um primo, o respeitado grafiteiro Space Invader. Num rompante que beira à insanidade ele se torna tão obcecado pela contra-cultura quanto pelas suas filmagens do cotidiano e não demora muito e ele mescla as suas duas paixões, á princípio ele começa a sair junto com o primo para filmar suas incursões pela noite e logo em seguida ele passa a acompanhar também outros grafiteiros, ele convence a todos que está produzindo um documentário... 


Os caminhos de Thierry Guetta e Banksy acabam se cruzando e surge uma relação de amizade e respeito mútuo entre eles, o francês passa a acompanhar o grafiteiro e este aposta suas fichas no documentário que ele estava produzindo. Ao descobrir que toda a proposta do novo companheiro não passava de uma grande farsa, Banksy decide tomar as rédias da produção do filme e colocá-lo para escanteio. Para afastá-lo da ideia de continuar trabalhando no documentário, Banksy o convence a começar a produzir sua própria arte. Mesmo sem ter talento, Guetta, em mais um rompante de insanidade, adota o codinome de Mr Brainwash, vende tudo o que tem e investe em um trabalho megalomaníaco que tinha tudo para dar errado, mas que incrivelmente não dá. Da noite para o dia ele se torna o mais novo ídolo forjado pela indústria cultural. Sua obra não tem qualquer essência e não passa de uma remontagem de formulas bem sucedidas já usadas por artistas renomados como Andy Wharol, ele se torna então o maior símbolo de algo que sequer existe...  


A grande questão envolta nesta história é: Thierry Guetta é de fato real, ou só um personagem criado por Banksy, ou ainda, quem sabe seja ele o próprio Banksy? O filme deixa durante seu desenvolvimento diversos indícios que são capazes de alimentar a teoria de que Exit Through the Gift Shop se trata na verdade de um pseudo-documentário. Guetta, por exemplo, nos parece caricato demais para ser real e suas atitudes são em diversos momentos absurdas demais de tão improváveis que são. Nas cenas que mostram trechos das filmagens que ele fez de sua família, nas quais aparecem a esposa e os filhos dele,  tem-se a impressão de que são imagens previamente preparadas para parecem naturais, mas que não conseguem sê-lo. Em outros momentos, a própria reflexão proposta pelo filme nos induz a questionar sua veracidade... Afinal, estaríamos nós nos comportando em relação ao filme, tal como os fãs de Guetta diante de suas pseudo obras de arte? Pois é, é algo a se pensar... 


Se este for de fato um pseudo-documentário, ele será sem dúvida a maior e mais brilhante de todas as obras de Banky, mas independente disso, os questionamentos levantados por ele em relação a produção artística são totalmente pertinentes, o fenômeno que vemos acontecer na vida de Thierry Guetta é o mesmo que já estamos cansados de testemunhar no cinema, na música, na literatura e em tantas outras formas de expressão, que têm sido reduzidas à meros produtos, fabricados em escala industrial para satisfazer a um público ávido por entretenimento empobrecido de significações e de efeito passageiro. 

Em uma das últimas cenas do filme Guetta diz: "Espere até o fim da vida e verão se eu sou uma lebre ou uma tartaruga"; esta citação pode parecer desconexa, mas talvez ela tenha muito a dizer sobre Banksy e seu filme... Exit Through the Gift Shop é uma obra de difícil conceituação, daquelas que parecem escapar de qualquer rótulo pre-existente, isto potencializa ainda mais sua condição de obra de arte e sua capacidade de nos provocar as mais diversas reações... é um filme indispensável para qualquer um que se propor a pensar a produção artística como fato social. Ultra recomendado! 


Exit Through The Gift Shop foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor Documentário. No BAFTA ele recebeu uma indicação na categoria de Melhor Estreia de Roteirista, Diretor ou Produtor Britânico (Banksy e Jaimie D'Cruz).

Assistam ao trailer de Exit Through the Gift Shop no You Tube, clique AQUI !

Confiram também aqui no Sublime Irrealidade o artigo 


terça-feira, 29 de maio de 2012

O Grande Lebowski

O Grande Lebowski (The Big Lebowski) - 1998. Escrito, Dirigido e Produzido por Joel Coen e Ethan Coen. Direção de Fotografia de Roger Deakins. Música Original de Carter Burwell. Polygram Filmed Entertainment e Working Title Films / USA | UK.


O Grande Lebowski (1998) é uma excelente e excêntrica comédia de erros, do tipo que só os irmãos Coen sabem fazer. A fórmula é a mesma que fora usada em Fargo (1996), e que ainda seria ainda explorada em Onde os Fracos não têm Vez (2007) e em Queime Depois de Ler (2010), no entanto ela consegue nos parecer original e extremamente bem sucedida à cada vez que é reaproveitada, graças à enorme criatividade e domínio de técnica de Joel e Ethan. Nestes filmes a trama se desenvolve a partir de algum erro ou atitude mal pensada, que geralmente são cometidos por alguns dos personagens, estes atos levam à uma série de peripécias, que colocam a história em um tipo de espiral, da qual não se sabe o que esperar...

A trama de O Grande Lebowski gira em torno de Jeff Lebowski (Jeff Bridges), um típico representante da geração Slacker, que prefere ser chamado de 'The Dude'. Ele ocupa seu tempo fumando maconha e ouvindo fitas de country rock da década de 60 e de música ambiente, nas "horas vagas" ele joga em um time boliche, do qual também participam seus amigos Walter Sobchak (John Goodman), um ex-combatente do Vietnã que se tornou neurótico, e Donny (Steve Buscemi), um homem contido e um tanto inexpressivo. O cotidiano ocioso, do qual Jeff se orgulha, começa a ser ameaçado quando dois estranhos invadem a casa dele para lhe cobrar uma grande quantia em dinheiro, uma dívida que teria contraída pela sua esposa; é praticamente dispensável dizer que ele, que nem é casado, fora confundido com outra pessoa, um homônimo. Antes de perceber o engano que estava cometendo, um dos homens mijaram no tapete da sala de 'Dude', numa tentativa de intimidá-lo, e aquilo o deixou muito aborrecido.


Aconselhado por Walter, 'Dude' decide ir atrás de seu homônimo, a quem ele passa chamar de "Grande Lebowski", para reivindicar um ressarcimento pelo tapete danificado. O verdadeiro Lebowski (David Huddleston) a quem os bandidos procuravam é um suposto milionário, amargo e excêntrico, que se casara com Bunny (Tara Reid), uma ex-atriz pornô bem mais jovem que ele. O velho diz a Jeff que não lhe dará nada por não se sentir responsável pelo que acontecera, mas este, esperto que é, acaba levando um dos tapetes da mansão sem o consentimento de seu chará, mal sabia ele que aquele que seria o erro que o meteria em uma grande enrascada. Tudo indica que a história caminha para um final que não será nada bom, contudo devemos lembrar que se trata de roteiro escrito por Joel e Ethan, o que o torna totalmente imprevisível.


O filme se desenvolve através de sequências improváveis que são protagonizadas por personagens tão estranhos e excêntricos quanto o próprio 'Dude'. No roteiro nem tudo é o que parece ser e cada detalhe, por mais desconvencional que nos possa aparentar, traz consigo uma carga de significação maior, que faz com que o filme como um todo funcione como algo que vai além de uma mera comédia de humor ácido. O roteiro usa a narração em off para nos introduzir à realidade do personagem central, através dela 'Dude' é descrito como um homem que trás consigo algo de especial, algo quase sagrado que o transforma em uma espécie de herói de seu tempo. Não é a toa que o loga cite a Guerra do Golvo durante a sua introdução, o que ele está propondo é a substituição da figura do soldado como herói nacional pela do homem comum que trava sua própria guerra em seu cotidiano.


Em mundo carente de ideologias, de figuras heroicas e de fatos grandiosos, o que sobra é a vida comum, que é na maioria das vezes desestruturada e descolorida. De uma forma irônica e sarcástica o filme transforma este tipo de vida em um louvável objeto de culto e o personagem principal em uma espécie de messias deste novo "way of life". Os outros personagens ajudam a compor esta sátira social simbolizando diversas características do população americana do início dos anos 90, dentre elas a paranoia, a apatia, a busca do prazer imediato e o apego a conceitos rasos, que são usados ora para rotular outrem, ora para simplificar ideologias; em um momento, por exemplo, um dos personagens rotula um outro de niilista, porque em algum momento este outro diz: "eu não acredito em nada"; em outra passagem, um outro personagem rotula bandidos de nazistas, tão somente por ele próprio ser um judeu.


Jeff Bridges está ótimo, ele encarna a veia cômica com uma destreza enorme, sua composição do personagem é magnífica, desde o visual desleixado ao sotaque carregado e cheio de maneirismos. John Goodman, Steve Buscemi, Sam Elliott (que interpreta um enigmático personagem), John Turturro (que vive um jogador de boliche esquisito, de um time rival ao do 'Dude'), Philip Seymour Hoffman (um empregado do 'Grande Lebowski'), Julianne Moore (que interpreta uma feminista, filha do 'Grande Lebowski) também estão muito bem, cada um deles personifica na medida certa a estranheza e a desconstrução das convenções, que são exploradas pelo roteiro; é muito interessante vê-los em cenas que chegam a ser surreais de tão improváveis, sem contar que alguns deles estão simplesmente hilários... Ao assistir ao filme, prestar atenção na ponta feita por Flea, baixista do Red Hot Chili Peppers...


Eu considero O Grande Lebowski uma das melhores obras dos irmãos do Coen, ele é filme aparentemente despretensioso, que pode ser apreciado tanto como uma comédia-farsa - do tipo que provoca o riso "sem qualquer intenção didática ou moralizante" - quanto como uma refinada comédia de costumes com elementos burlescos - do tipo que nos induz a refletir sobre aquilo que é comum, ao propor um olhar diferenciado sobre a realidade..O Grande Lebowski é sem dúvidas uma produção de alto nível de qualidade, o que pode ser percebido em cada um de seus aspectos, tanto técnicos, quanto artísticos (sei que nem todos reconhecerão isso), é um filme que precisa ser visto e revisto! Recomendo!


Assistam ao trailer de O Grande Lebowski no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,


Confiram também aqui no Sublime Irrealidade as críticas de E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, Queime Depois de LerBarton Fink - Delírios de Hollywood e Bravura Indômita, também realizados pelos irmãos Coen. 


segunda-feira, 28 de maio de 2012

Vencedores do Festival de Cinema de Cannes 2012


Foram entregues ontem os prêmios da 65° edição do Festival de Cinema de Cannes. O drama Amour, dirigido por Michael Haneke ganhou o prêmio máximo, a Palma de Ouro - esta foi a segunda vez que o cineasta austríaco venceu nesta categoria, a primeira foi há três anos com o excelente A Fita Branca (2009).

Beyond the Hills, de Cristian Mungiu, que era um dos favoritos, foi o vencedor nas categorias de Melhor Roteiro e Melhor atriz (Cosmina Stratan e Cristina Flutur) - Mungiu já tinha ganhado a Palma de Ouro em 2007, com o contundente 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias... 

Segundo o que dizem as notícias que chegaram da Riviera Francesa, a grande surpresa desta edição foi a vitória do mexicano Carlos Reygadas, que recebeu o prêmio de Melhor Diretor, seu filme, Post Tenebras Lux, fora severamente vaiado pelos jornalistas no dia de sua exibição...

Na Estrada de Walter Salles, para o qual eu estava torcendo às cegas, não ganhou nada além de aplausos... 

A entrega dos prêmios aumenta ainda mais a minha ansiedade de assistir a cada um destes filmes, enquanto eu tento contê-la, vamos à lista completa dos vencedores:


Palma de Ouro: Amour, de Michael Haneke

Melhor Atriz: Cosmina Stratan e Cristina Flutur, por Beyond the Hills

Melhor Ator: Mads Mikkelsen, por The Hunt

Melhor Diretor: Carlos Reygadas, por Post Tenebras Lux

Melhor Roteiro: Beyond the Hills, de Cristian Mungiu

Grande prêmio: Reality, de Matteo Garrone.

Melhor Curta-metragem: Sessiz-be Deng, de L. Rezan Yesilbas

Prêmio Câmera de Ouro (para o diretor estreante em Cannes): Benh Zeitlin, por Beasts of the Southern Wild

Prêmio de júri: The Angels Share, de Ken Loach


Confiram AQUI a lista completa dos filmes exibidos nesta edição do festival!


quarta-feira, 23 de maio de 2012

Los Hermanos - Turnê de 15 Anos - BH 21/05/2012

"É preciso força pra sonhar e perceber 
que a estrada vai além do que se vê [...]"


Para falar do show de ontem do Los Hermanos em Belo Horizonte e da impressão que ele me causou, preciso antes voltar um pouquinho no tempo, para relembrar, mesmo que de forma bem superficial, a trajetória da banda e a importância dela para a cena musical brasileira... Todos devem lembrar de quando a música Anna Júlia estourou nas paradas nacionais em 1999 e das apresentações da banda nos principais programas de auditório do país, contudo se engana quem pensa que eles conquistaram este sucesso estrondoso da noite para o dia, a história já tinha começado dois anos antes na efervescente cena underground carioca. Antes de lançar o primeiro álbum, autointitulado, eles já tinham gravado algumas demos e conquistado um público pequeno mas fiel na cena indie. Na ocasião o som da banda era um misto de hard core com arranjo de metais que remetiam ao samba antigo das fanfarras e as letras eram em sua maior parte sobre desilusões amorosas. A grande oportunidade surgiu quando Paulo André, organizador do festival Abril pro Rock, que acontece mo Recife, foi atraído pela originalidade da banda e a chamou para integrar o cast da edição do festival de 1998. Após este show no Pernambuco, que também seria lançado de forma independente, a banda fechou contrato com a gravadora Abril Music, começaria ali o hype que os transformaria em um curto espaço de tempo na "melhor banda de todos os tempos da última semana"...

Passada esta efervescência o Los Hermanos teve que enfrentar o risco de se tornar uma dentre tantas bandas de apenas um sucesso (aquelas que duram apenas por um verão). A opção feita pela banda foi a de seguir em frente, mas na contramão daquilo que o hit Anna Júlia significara para eles até então, tal postura gerou conflito com a gravadora que chegou a recusar a mixagem final do disco em determinado momento do processo de produção. Após muitos vai e vens o disco chegou ao mercado... Este segundo Álbum, intitulado Bloco do eu Sozinho (2001), já denotava um grande amadurecimento nas composições, tanto nas letras quanto nos arranjos, todavia a "evolução sonora" tirou quase todo o apelo comercial que o disco poderia ter tido, sendo assim a solução estava em mirar mais uma vez para a cena alternativa e foi isso que eles fizeram, eles não voltaram a ser independentes, mas conseguiram a partir de então estabelecer um bom trâmite entre o mainstrean e o underground

O 'cara estranho' da foto sou eu e este é o cartaz da turnê.
A maturidade musical seria alcançada no próximo disco, Ventura (2003), que é na minha opinião o disco nacional mais importante da década passada, e seria ainda aperfeiçoada no quarto álbum, intitulado simplesmente de 4 (2005) - este foi ainda menos "vendável" que seu antecessor, por ser bem mais melancólico e experimental. O distanciamento do Los Hernanos do circuito comercial, que foi muito criticado na época, o favoreceu e muito, com este posicionamento a banda conquistaria o respeito e a admiração de um público que não estava tão sujeito às turbulências da indústria cultural e do mercado fonográfico... Em 2007, no ápice de sua trajetória artística, a banda anunciou que entraria em um hiato por um tempo indeterminado, segundo eles esta seria a oportunidade de cada um dos membros investirem em suas respectivas carreiras solo. O afastamento dos palcos não fez diminuir o culto à banda, pelo contrário, e os constantes boatos sobre uma possível volta não pararam desde então. Alguns shows esporádicos foram  realizados durante este período, mas nada de tão significante, até que no final do ano passado foi anunciada esta turnê na qual a banda se reuniria para comemorar os 15 anos que se passaram desde sua primeira apresentação... 


Algumas das canções do Los Hermanos serviram de trilha sonora para um período de minha vida, no qual eu vivia uma ebulição de sentimentos que nem eu mesmo conseguia compreender, talvez por isso elas tenham ganhado um lugar especial em minha memória afetiva, eu me reconhecia em algumas delas e outras pareciam descrever precisamente situações que eu estava vivendo. Creio que isso não aconteceu só comigo, talvez venha desde mesmo fenômeno uma boa parte dos atuais fãs da banda. Ao meu ver esta identificação acontece porque as canções da banda possuem uma alma, elas têm algo de verdadeiro em suas letras e na forma com que são interpretadas, coisa da qual a música brasileira que toca nas rádios está carente já há um bom tempo. O Los Hermanos consegue falar de amor e de sentimentalismo sem ser piegas e a poética de suas canções está em um nível bem superior ao de outras bandas e artistas que se propõem a falar dos mesmos temas. De uma forma muito bonita eles conseguem nos mostrar através de suas letras que realmente "a estrada vai além do que se vê" e que ainda é possível acreditar no amor, ainda que o sofrimento seja inerente a ele...


Desde que foram divulgadas as datas dos shows eu já estava certo de que queria ir, na verdade eu precisava de ir, basicamente por dois motivos: Primeiro, porque apesar de gostar tanto da banda, eu nunca tinha ido à uma apresentação dela, eu tinha perdido a oportunidade de ir em um show que aconteceu em Juiz de Fora pouco tempo antes deles anunciarem a separação. Segundo, porque este poderia ser simplesmente um dos últimos shows, portanto uma das últimas oportunidades de eu curti-los ao vivo. A verdade é que eu ainda tinha sérias dúvidas de que o "hiato", no qual a banda se encontra até hoje (a turnê por si só não a tira dele), poderia de fato um dia acabar...

De acordo com o que fora divulgado, seriam à principio duas datas em BH, 19 e 20 de maio, para mim estava perfeito. Devido ao meu trabalho o dia 25, que seria um sábado, era sem dúvidas a melhor data. Combinei com um amigo de irmos juntos e ficamos atentos ao dia no qual se iniciaria a venda dos ingressos. Sem me preocupar tanto, no data marcada eu entrei no site no qual os ingressos estavam sendo vendidos cerca de três horas depois do início da comercialização e para minha surpresa eles já estavam esgotados para as duas apresentações, foi uma decepção enorme...


Alguns dias depois foi anunciada uma terceira data, 21/05, uma segunda-feita (!); mesmo sabendo que aquele seria um dia de trabalho e que a capital mineira fica a 5 horas de minha cidade eu não desisti, na data da venda, alguns minutos antes da hora marcada, eu, que estava de férias, já estava conectado atualizando a página para garantir um rápido acesso aos ingressos  (o meu e o do meu amigo) antes que eles se esgotassem novamente. Toda esta precaução não adiantou de nada, logo que foi aberta a comercialização o site travou devido ao enorme número de acessos, fiquei mais de duas horas na frente do computador esperando um retorno do sistema, até que a página foi atualizada com a mensagem "ESGOTADO", desta vez já não era decepção o que eu sentia, era RAIVA! Mas, por incrível que pareça, entrei novamente no site algumas horas depois já no final da tarde e consegui comprar os bilhetes. Pelo que disseram na página do evento no facebook, simular o esgotamento dos ingressos foi uma estratégia do site para solucionar o bug, o que aparentemente deu certo. Não demorou muito e os ingressos esgotaram de verdade, felizmente os meus já estavam garantidos...


Consegui negociar folgas no trabalho para segunda e terça-feira e cheguei em BH no domingo à noite. A minha expectativa já era a melhor possível, eu já tinha a noção de que todo o esforço despendido valeria a pena, só não tinha nem ideia do quanto... O show começou praticamente sem atrasos e a abertura foi feita com a canção O Vencedor, a segunda faixa do disco Ventura, e o que se seguiu foi algo apoteótico, catártico... A banda estava em um sintonia perfeita com o público, que cantou junto cada uma das canções. O longo período de recesso não parece ter sido um problema, a banda estava muito bem entrosada e em plena forma. O ótimo repertório trouxe músicas dos quatro discos, inclusive algumas do primeiro, que raramente eles tocavam ao vivo; no entanto eu senti falta de algumas como Tudo que Sobrou e Do Lado de Dentro, no entanto a falta destas foi compensada pela execução magistral de outras de minhas favoritas da banda como Sétimo Andar (que pode ser conferida abaixo, no vídeo de péssima qualidade que eu fiz), Ultimo Romance, Condicional e Cara Estranho...


Tivemos o privilégio de ficar em um lugar bem próximo ao palco, de onde pudemos apreciar plenamente o maravilhoso espetáculo musical... O local estava lotado, tanto a pista quanto as arquibancadas, em alguns momentos foi possível sentir o chão tremer (o show foi realizado no segundo andar do prédio) tamanha a reação do público às canções. Eu olhava à minha volta e me perguntava: Qual outra banda surgida nos últimos vinte anos conseguiria lotar três shows seguidos em um mesmo local, sendo um destes em uma segunda-feira? A falta de respostas só fazia crescer o meu respeito e a minha admiração por eles. A apresentação durou cerca de duas horas e quinze minutos e ao final dela eu tinha certeza de que eu presenciara algo único, eu acabara de assistir um dos shows de uma turnê que provavelmente entrará para a história, caso a banda não se reúna novamente... Contrariando as minhas previsões, uma esperança em relação ao fim do hiato, nos foi dada pela própria banda que incluiu uma música inédita no setlist, muito boa por sinal. Contudo eu ainda tenho dúvidas se esta canção estará em um provável quinto disco da banda, ou no disco solo do vocalista e guitarrista Rodrigo Amarante, que será lançado ainda este ano... Apesar de meu ceticismo, torço para que eles voltem e de preferência com mais um disco de inéditas! 


Não deixem de conferir aqui no Sublime Irrealidade a resenha crítica do disco Toque Dela, o segundo solo do vocalista e guitarrista Marcelo Camelo!

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Aqui é o Meu Lugar

Aqui é o Meu Lugar (This Must Be the Place) - 2011. Dirigido por Paolo Sorrentino. Escrito por Paolo Sorrentino e Umberto Contarello. Direção de Fotografia de Luca Bigazzi. Música Original de David Byrne e Will Oldham. Produzido por Francesca Cima, Nicola Giuliano, Andrea Occhipinti e Mario Spedaletti. Indigo Film, Lucky Red e Medusa Film / Itália | França | Irlanda.


O roteiro de Aqui é o Meu Lugar é no mínimo estranho, ele gira em torno de um personagem nada convencional, que vive situações um tanto inusitadas; Cheyenne (Sean Penn) é um ex-membro de uma banda de dark wave que vive preso pela culpa em reminiscências e amarguras de seu passado. Ele traz consigo visíveis sequelas dos abusos e excessos que ele praticou durante muito tempo, sua fala é arrastada e seus movimentos são lentos. Devido a algo que acontecera há mais de vinte anos ele parou de tocar e se refugiou em Dublin na Irlanda, levando a partir de então uma vida um tanto convencional ao lado da esposa, Jane (Frances McDormand), uma militar do corpo de bombeiros, com quem está casado a mais de 35 anos. Ele ocupa seu tempo acompanhando o mercado de ações, em outros momentos ele pratica um esporte bizarro dentro de uma piscina vazia, faz compras e pequenos afazeres domésticos ou sai na companhia de uma jovem amiga. Estranhamente ele ainda mantém o mesmo visual que adotara em sua juventude, nos tempos de atividade de sua antiga banda. 

A história é à princípio cheia de pequenos mistérios, que envolvem o próprio Cheyenne e os outros personagens que estão à sua volta, a trama vai se desenrolando lentamente e apenas depois de mais de meia hora de duração nos é apresentado aquele que será o mote do filme. Cheyenne recebe um telefonema dos Estados Unidos informando sobre o estado de saúde de seu pai, que ele não via há muitos anos, ele então decide deixar alguns assuntos inacabados na Irlanda e partir sozinho para o outro lado do Atlântico. Ao chegar em solo norte americano ele descobre que o pai acabara de falecer e que ele deixara uma questão pendente, uma fixação que o acompanhara até o fim de sua vida: encontrar o soldado nazista que teria o torturado em um campo de concentração. Acreditando que com isso irá conseguir fazer as pazes com a memória do pai, o ex-roqueiro dá continuidade às investigações para encontrar o torturador, que ao que tudo indicava, vivia tranquilamente em algum lugar dos Estados Unidos.


A busca de Cheyenne, que o leva a diversas cidades americanas, transformam o longa em um road movie e como é comum em filmes deste gênero o personagem irá viver experiências que o transformarão durante a viagem. Com uma sensibilidade tocante o filme fala de preconceito, de perdão e de perseverança, sem para isso precisar recorrer às já saturadas fórmulas melodramáticas. De uma forma muito interessante o roteiro encaixa o personagem central em meio à uma série de conflitos, no entanto, o foco permanece nele, o que faz com que alguns dos outros pequenos dilemas sejam deixados de lado á medida que a história avança; isto pode ser apontado como um defeito do roteiro, mas não é, afinal não necessariamente a trama precisa anunciar uma resolução para tudo e quem esperar por isto certamente irá deixar de aproveitar alguns dos melhores aspectos do filme.


Um ponto que merece destaque é uma pequena metáfora, que provavelmente passará despercebida para a maioria dos espectadores, criada em torno da mala de rodinhas que o personagem leva consigo em todos os lugares para onde ele vai, dentro dela ele leva as coisas que não quis deixar para trás; sem querer forçar muito uma interpretção, entendo que estas coisas seriam uma analogia ao passado dele e às situações que ele não conseguiu superar, mesmo depois de mais de 20 anos... As abordagens referentes ao preconceito estão presentes em todo o filme, seja através através das pessoas que se assustam com o visual do ex-músico nas ruas, da discriminação sofrida e praticada pelos judeus da família dele, da garota que não quer se relacionar com um rapaz por ele ser "normal" demais e até através da forma com que nós expectadores enxergamos a história, o entranhamento que sentimos diante de algumas sequências é um simples indicativo de que nós também não estamos tão alheios às ideias preconcebidas. 


Como já era de se esperar, a atuação de Sean Penn é o grande destaque do filme, a composição de seu personagem nos remete de imediato a diversos nomes do rock, dentre eles Robert Smith (pelo visual) e Ozzy Osbourne (pela debilidade física) e sua atuação é tão cheia de sutilezas que consegue nos fazer simpatizar pelo seu personagem, mesmo ele sendo tão estranho. No elenco ainda tem grandes atores como Judd Hirsch, Harry Dean Stanton e a excelente Frances McDormand, todos com desempenhos notáveis. As curiosidades no entanto são a participação da atriz Eve Hewson, filha do Bono do U2, que interpreta uma amiga de  Cheyenne e a ponta feita por David Byrne, um dos fundadores do Talking Heads (banda que compôs a música que dá título ao filme) e co-compositor da trilha sonora do longa, ele interpreta a si mesmo em uma das sequências. 


Tecnicamente o filme possui alguns aspectos negativos, que foram destacados por boa parte da crítica especializada, como o abuso de alguns recursos de filmagem e a repetição desnecessária de alguns movimentos de câmera, no entanto são apenas detalhes, que não miniminizam a melhor qualidade do filme, que é a sensibilidade de sua história. Aqui é o Meu Lugar destoa bastante das grandes produções do cinema americano pelo seu não convencionalismo, ele nos mostra que, apesar de seu elenco basicamente hollywoodiano, ele é um filme europeu (uma co-produção entre Itália, França e Irlanda), que veio não tão somente para acumular cifras de bilheteria... Apesar de algumas irregularidades, ele é uma boa comédia dramática, que merece ser conferida, ainda que seja inicialmente só pela curiosidade que ele é capaz de despertar. Ao assisti-lo, baixe a guarda e simplesmente permita que ele lhe cative... Recomendo!


Aqui é o Meu Lugar ganhou o Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Cannes, honraria concedida a obras que simbolizam a dignidade. O Juri Ecumênico é composto por jornalistas, críticos e cineastas de diversas partes do mundo, sendo eles geralmente membros de igrejas e entidades cristãs.

Assistam ao trailer de Aqui é o Meu Lugar no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,


segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Deserto Vermelho

O Deserto Vermelho (Il Deserto Rosso) - 1964. Dirigido por Michelangelo Antonioni. Escrito por Michelangelo Antonioni e Tonino Guerra. Direção de Fotografia de Carlo Di Palma. Música Original de Giovanni Fusco e Vittorio Gelmetti. Produzido por Tonino Cervi. Film Duemila e Federiz  / Itália | França.


Michelangelo Antonioni fez parte de uma geração que revolucionou a forma de fazer e de pensar cinema nas décadas de 50 e 60, seus filmes possuem uma forte marca autoral e trazem consigo a profundidade das  reflexões filosóficas e sociológicas ensaiadas pelo cineasta. Em sua juventude, Antonioni já integrava os círculos intelectuais de onde sairiam nomes seminais da literatura italiana da segunda metade do século passado, o interesse dele pelas artes o levou a se aproximar do teatro e da crítica cinematográfica. À princípio, o teor de seus escritos, como crítico de cinema, e as abordagens de alguns de seus primeiros curta-metragens o aproximaram do movimento neorrealista, que tinha como principais nomes, Roberto Rosselini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti, no entanto em sua maturidade artística Antonioni se distanciaria desta escola, ele direcionaria seu foco narrativo, não para as questões sociais, mas para para os dilemas e angústias pessoais enfrentados por cada indivíduo. O cunho marxista de sua obra se manifestaria não no embate entre as classes sociais, mas no posicionamento do indivíduo frente à sociedade capitalista industrial, que o tornava impotente e alheio à sua própria vida.

Em O Deserto Vermelho (1964), seu primeiro filme fotografado em cores, Antonioni retoma a temática que caracterizara seus três primeiros longas, que ficaram conhecidos como a "trilogia da incomunicabilidade", nele é abordada a angústia existencial e a solidão do indivíduo que não consegue se realizar como tal e acaba se perdendo em meio à desumanização propiciada pelo capitalismo. A trama do filme se desenvolve quase em sua totalidade em um distrito industrial da comuna de Ravenna  na Itália e no seu centro está a belíssima Giuliana (Monica Vitti), ela é a esposa de Ugo (Carlo Chionetti), o gerente de uma grande usina, e tem um filho ainda pequeno com ele. Apesar de ter uma vida aparentemente tranquila, Giuliana não se sente realizada, ela tem sérios problemas psicológicos, que são atenuados pelo isolamento social do qual ela é vítima. Ela, que acabara de sair de uma clínica, onde fora internada após um trauma, tenta se convencer que já está curada, todavia ela permanece visivelmente atormentada. Ugo se preocupa com ela e tenta ampará-la, mas existe um verdadeiro abismo entre eles.


Corrado Zeller (Richard Harris), um dos funcionários da usina, tenta se aproximar de Giuliana após ter sido apresentado a ela por Ugo, ele está apenas de passagem pela cidade, recrutando funcionários para trabalharem durante uma temporada na América do Sul. Lentamente ela começa a se abrir com ele, estabelecendo desta forma uma comunicação muito mais consistente do que aquela que ela mantém com o próprio marido. A relação que começa a se desenvolver entre eles é cheia de compreensão e cumplicidade e isso parece ajudar a ambos, mas ela vai se tornando perigosa por eles se aproximarem demais...


Corrado, ainda que em menor medida, também sente os efeitos de viver em uma sociedade tão desumanizada, mas diferente de Giuliana, ele aparenta ter encontrado algum tipo de equilíbrio. Ao ser questionado por ela acerca de sua posição política, ele responde: "É como perguntar em que se acredita, são palavras que pedem uma resposta precisa. Na verdade não se sabe bem no que se acredita. Acredita-se na humanidade e num certo sentido. Um pouco menos na justiça... um pouco no progresso. Acredita-se no socialismo talvez. O importante é agir do modo que se ache justo, justo para si e para os outros; para ter paz de consciência. A minha consciência está tranquila...". Durante o desenrolar da trama fica claro que a angústia existencial que Giuliana sente também é sentida por outros personagens que estão à volta dela, porém, somente ela a externa. 


Em O Deserto Vermelho (1964) as imagens, suas tonalidades de cores e enquadramentos, dizem muito mais que as palavras - esta é na verdade uma das características mais marcantes da obra de Antonioni - o uso deste tipo de narrativa tende a afastar a parte do público que tem dificuldade de decodificar tal tipo de mensagem, para estes o filme aparentará ser lento e sua trama fará pouco sentido. No entanto, aqueles que se dispuserem a apreciar o filme em sua totalidade, como uma obra de arte e não como entretenimento perceberá o quão profunda a história contada é. A preocupação com as cores do filme se refletiu até na escolha de seu nome, à principio ele deveria se chamar "Celeste e Verde", porém, depois de uma conversa com Jean-Luc Godard, Antonioni decidiu mudar, pois de acordo com o cineasta francês este não era um título "suficientemente viril"... O deserto vermelho, ao qual o nome definitivo se refere, não é uma referência às locações onde a fita foi rodada, mas ao estado psicológico da personagem principal.


Antonioni, assim como Ingmar Bergamn (que curiosamente morreria na mesma data que ele), permaneceu adepto do cinema em preto e branco bastante tempo depois do advento do cinema em cores, para ele o uso da tecnologia não poderia ser tido como um mero avanço técnico, ele precisava se tornar parte da linguagem fílmica, para assim ser justificado. É precisamente isso o que acontece em O Deserto Vermelho, no filme a cromatização serve como forma de salientar aquilo que os personagens sentem e também para ilustrar a forma com que o avanço das indústrias e do capitalismo destrói tudo que é vivo e belo, descolorindo e entristecendo cada paisagem... O trabalho de Carlo Di Palma, o diretor de fotografia, é simplesmente fantástico, é sublime a forma com que ele ora satura determinadas cores, ora descolore todo o quadro, demarcando apenas o vazio; os enquadramento que ele utiliza, que reforçam a pequenez do homem diante da grandiosidade das máquinas, também são esteticamente maravilhosos. 


Monica Vitti está muito bem no filme, seu desempenho justifica o fato de ela ter sido a grande musa do cineasta italiano, ela consegue expressar os sentimentos de sua personagem através de seus gestos e expressões faciais, nós espectadores percebemos o tormento que ela sente mesmo sem ela dizer qualquer palavra. O restante do elenco também entrega boas interpretações, mas a verdade é que no que tange este aspecto, o filme pertence à Monica e ao Richard Harris, eles conseguem desenvolver uma boa química nos momentos em que contracenam, o que faz com que as melhores passagens do filme sejam protagonizadas por eles...


É assustadora a forma com que esta obra permanece atual e contundente mesmo depois de quase cinquenta anos de seu lançamento, este é um dos aspectos que, somados aos outros já citados, o elevam á condição de clássico e de referência não só no tocante à linguagem, mas também pela reflexão que ele propõe acerca da solidão e da alienação do homem moderno.  

O Deserto Vermelho é sem dúvidas uma obra prima, mas isso não quer dizer que ele seja uma produção de fácil assimilação, ele é um filme pesado, indigesto e angustiante pela sua temática e por apontar problemas que só se agravariam com o passar dos anos e com a evolução do capitalismo para um outro estágio. Todavia não há dúvidas de que ele seja uma das obras mais importantes da história da sétima arte. Ultra Recomendado!


O Deserto Vermelho ganhou o Prêmio FIPRESCI e o Leão de Ouro (equivalente ao prêmio de Melhor Filme) no Festival de Veneza.

Assistam ao trailer de O Deserto Vermelho no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Robin Hood

Robin Hood (Robin Hood) - 2010. Dirigido por Ridley Scott. Escrito por Brian Helgeland, Ethan Reiff e Cyrus Voris. Direção de Fotografia de John Mathieson. Música Original de Marc Streitenfeld . Produzido por Russell Crowe, Brian Grazer e Ridley Scott. Universal Pictures e Imagine Entertainment / USA | UK.


Robin Hood (2010), de Ridley Scott, tentou forjar uma versão historicamente verossímil  para a lenda do fora da lei arqueiro que roubava dos ricos para dar aos pobres, sua trama funciona como uma espécie de prelúdio da história clássica que já fora reproduzida inúmeras vezes na literatura, no cinema e na televisão. No roteiro do filme, Robin Longstride (Russell Crowe) não é um nobre de nascença, como sempre o fora de acordo com a lenda, ele é apenas um plebeu, que esteve em combate na França a serviço do rei Ricardo Coração de Leão da Inglaterra. Após uma desavença com outro soldado, Robin é levado à presença do rei, que o inquere sobre sua fidelidade e posição acerca das cruzadas, mesmo sendo um combatente honroso ele acaba sendo punido por se posicionar contra a atuação de seu país durante o conflito. 

Após a morte de seu monarca, Robin decide abandonar o combate e João Pequeno (Kevin Durand), Will Scarlett (Scott Grimes) e Allan A'Dayle (Alan Doyle) o acompanham. Na rota de fuga eles se deparam com soldados que tinham sido vítimas de uma emboscada, a maioria deles já mortos, é então que eles arquitetam um plano de fuga, eles pilham os despojos dos mortos, vestem seus uniformes e Robin assume a identidade de um nobre, Robert Loxley (Douglas Hodge), que antes de morrer lhe pedira para entregar sua espada ao seu pai no vilarejo de Nottingham. Ao voltarem para a Inglaterra, Robin e os outros desertores se deparam com a frágil situação do reino, que se encontrava dividido e assolado pela alta carga de impostos cobrada pela coroa. 


Com a morte do Rei Ricardo, seu irmão mais novo, Príncipe John (Oscar Isaac), assume o trono, ele é imaturo demais e facilmente influenciável e isto o torna uma peça nas mãos do Xerife de Nottingham (Matthew Macfayden) e do soldado inglês Sir Godfrey (Mark Strong), que o manipulam a fim de enfraquecer a Inglaterra e assim possibilitar uma ofensiva da França, a quem eles são leiais, ambos esperam ser privilegiados caso os franceses assumam o comando do reino. Após refletir, Robin decide cumprir sua promessa e vai até Nottingham para entregar a espada, que pertencera ao homem de quem ele roubara a identidade. O pai do homem morto é Sir Walter (Max von Sydow), um homem respeitado e influente no vilarejo, que corria o risco de perder sua propriedade por causa dos mandos e desmandos da coroa. Ao ver as injustiças e a supressão da liberdade, Robin se engaja na luta contra contra a opressão imposta pelo príncipe. Sir Walter o convence a continuar se passando pelo seu filho, para assim poder proteger o vilarejo, que estaria diretamente ligado ao seu próprio passado. Robin, ao assumir a posição de Robert Loxley, acaba se aproximando demais da viúva dele, a bela Lady Marion (Cate Blanchett)...


Tenho que reconhecer que a proposta de dar um caráter verossimilhante à lenda foi válida, no entanto ela não consegue poupar o filme de cair no mais do mesmo. No longa, Ridley Scott simplesmente tentou repetir a fórmula usada no premiado Gladiador (2000), porém ela não funcionou da forma esperada (o resultado de bilheteria do filme, que ficou bem distante do previsto, é uma prova disso), o que não foi algo de todo inesperado, visto que os mesmos moldes já haviam sido reutilizados no fraco e  facilmente esquecível Cruzada (2005). O cineasta parece ter buscado referência em si mesmo e justamente em duas das obras mais controversas de sua carreira (reza a lenda que Gladiador teria sido salvo na edição final, pelo trabalho do editor Pietro Scalia),  a recaptulação de si mesmo, que não deve ser confundida com marca autoral, pode ser percebida não só na temática e no estilo do filme, mas também em quase toda a parte técnica, que nos remete de imediato às produções supracitadas.


No entanto, o grande problema do filme está em alguns pontos do roteiro, que força demais a barra para tornar crível a história do futuro "príncipe dos ladrões", algumas situações não se encaixam e outras simplesmente não fazem tanto sentido. Por exemplo, em determinado momento do filme, toda a história de repente se volta para Nottingham, que de repente se torna o centro de todas as atenções, como se toda a Inglaterra e sua participação na guerra se reduzisse ao pequeno território do vilarejo e sua minguada população, todos os personagens passam a ter vínculos, em alguns casos improváveis, com o lugarejo. Por meio de uma série de estranhas coincidências o roteiro vai movendo cada uma das peças, para assim chegar ao ponto, a partir do qual os alicerces da história clássica começam a ser fincados.


Robin Hood tem pouco valor artístico e nada de inovação, sua trama peca, como já mencionado, em diversos pontos, mas ainda assim ele não merece ser considerado um filme totalmente descartável, o ritmo ágil de sua trama o tornam uma boa opção de entretenimento para quem se dispor a não prestar atenção no abuso de uma fórmula que já rendeu o que tinha de render nas mãos do diretor. Não temos no longa nenhuma atuação tão magistral, apesar do elenco de peso ela traz,  Russell Crowe não convence na pele do personagem principal, que não foi tão bem construído, Cate Blanchett, Max von Sydow, Mark Strong e o resto do elenco estão razoáveis, nenhum deles nos oferece algo que vá além do feijão com arroz, mas ainda assim é legal vê-los juntos contracenando em uma produção que poderia ter sido bem mais ousada e grandiosa.


A minha impressão ao final do filme foi mais positiva do que negativa, talvez porquê eu já esperasse bem pouco dele, sua duração de mais de duas horas passou relativamente rápido, sem que ele se tornasse cansativo. Ao meu modo de ver, outro grande problema do filme, que pode afetar diretamente a forma com que o vemos, é a expectativa gerada pelos nomes envolvidos, ainda acredito que ele teria sido melhor recebido se não tivesse o peso do nome de Ridley Scott na direção e de um time de atores respeitados no elenco... Recomendo para quem gosta de épicos históricos e para aqueles que não tiverem coisa melhor para assistir. Se você se dispuser a vê-lo preste atenção nas locações, que são belíssimas, elas constituem um dos pontos mais positivos do filme... Mas, para quem deseja assistir um filme realmente bom sobre o personagem, recomendo o fantástico As Aventuras de Robin Hood (1938), de Michael Curtiz e William Keighley, com Errol Flynn no papel principal! 


Assistam ao trailer de Robin Hood no You Tube, clique AQUI !

Confiram também aqui no Sublime Irrealidade a crítica do clássico Alien, o Oitavo Passageiro (1979), também dirigido por Ridley Scott.

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,