.Uma Homenagem Póstuma.
ao Maior Ícone do Movimento Punk no Brasil.
Hoje, quando entrei no facebook pela manhã, recebi a notícia trágica: “Edson 'Redson' Pozzi, vocalista e guitarrista da banda punk Cólera, morreu nesta terça-feira (27), aos 49 anos”. Para a grande maioria das pessoas nem este nome, nem a notícia, têm sentindo algum, mas para mim a aquela manchete caiu como uma bomba! À medida que eu procurava por confirmação daquele fato na rede e percebia que ele ia se tornando mais real, fui sendo tomado por um inesperado sentimento de comoção. De repente eu já tinha sido transportado para uma das épocas mais agitadas de minha vida, o final de minha adolescência, período de transformações, traumas e contato com o que de mais real e cruel a existência pode nos oferecer. Acho que dentre as bandas que eu ouvia com maior frequência neste período, somente o Ramones tenha sido mais importante, do que o Cólera foi. Mas diferente da banda americana, que me ensinou o que era Rock de verdade, o trio paulista me deu algo que ia além de sua sonoridade, suas canções deram voz ao meu engajamento e às minhas utopias, que eram então o que de melhor que eu tinha.
O Cólera foi formado em 1979, sendo uma das primeiras bandas da cena punk, que surgira em São Paulo nos idos de 1978. Em 1982, a banda participou, ao lado de Inocentes e Olho Seco, do primeiro disco Punk lançado no Brasil, o clássico Grito Suburbano, em novembro do mesmo ano o trio se apresentou no lendário festival O Começo do Fim do Mundo, organizado pelo escritor e jornalista Antônio Bivar; o evento rendeu um LP com 19 faixas, uma de cada uma das bandas participantes (apenas o Ulster não quis participar da edição original do disco). No ano seguinte Redson criairia o Estúdios Vermelhos, que mais tarde passaria a se chamar Ataque Frontal, por este selo foi lançado Sub, outra coletânea clássica do período, que trazia o Cólera, o Ratos de Porão, o Fogo Cruzado e o Psykóze, cada uma das bandas com seis músicas. Em 1985 o Cólera lança, pelo selo de Redson, o seu primeiro álbum, intitulado Tente Mudar o Amanhã, que tinha nítida influência do punk/hc finlandês. No mesmo ano é lançado o Split LP, Ao Vivo na Lira Paulistana, junto com o Ratos de Porão.
Em 1986 foi lançado o disco mais clássico da banda, Pela Paz em Todo o Mundo, que trazia músicas como Medo, Direitos Humanos, Alucinado, Adolescentes e o hino Pela Paz. A temática pacifista indicava que a banda já havia alcançado a maturidade e era ainda um diferencial em uma cena onde ainda existia uma acentuada segregação entre as bandas da capital e as do ABC Paulista, contexto que favorecia o acontecimento de brigas e outros casos de violência. Diferente da cena de Brasília, onde os integrantes das bandas eram geralmente estudantes filhos de políticos e diplomatas, o cenário paulista era formado por jovens operários e desempregados, mas mesmo sem nenhum recurso aqueles "garotos do subúrbio" fizeram valer o do it yourself teorizado pelo punk inglês, prova disso foi que em 1987, o Cólera encarou uma turnê que passou por vários países da Europa, sem ganhar nenhum dinheiro com isso, apenas as passagens e o alojamento em squaters (casas abandonadas que são ocupadas por ativistas).
Em 1987 a banda lançou o disco ao vivo European Tour '87, gravado durante a excursão do outro lado do Atlântico, e o seu segundo álbum, intitulado Verde, Não Devaste, que trazia uma urgente mensagem ecológica em faixas como Verde, Dont Waste It e Presídio Zoo, isso em uma época em que o ambientalismo ainda não era moda. Em 1992 lançaram o regular Mundo Mecânico Mundo Eletrônico, cujo o principal destaque é uma regravação, a da faixa 1.9.9.2., presente no primeiro disco. Após seis anos sem lançar nada de novo, o Cólera grava o excelente Caos Mental Geral, que chega a soar como uma volta aos primórdios. O disco traz músicas memoráveis como a faixa título, Cultural Revolução, Fuck I.U.R.D. e Dia e Noite, Noite e Dia, além de regravações de lados B e músicas presentes até então só em coletâneas como, Dê o Fora, Subúrbio Geral e Quanto Vale a Liberdade?, esta última, a melhor música da banda na minha opinião.
Mais outros seis anos sem novidades e então a banda nos presenteia com Deixe a Terra em Paz!, disco que mesclou o pacifismo de Pela Paz em Todo o Mundo e o Ambientalismo de Verde, Não Devaste, em músicas que mostravam uma sofisticação nunca antes experimentada pela banda. A poesia marginal expressa em letras diretas dão lugar a metáforas e alegorias, que ilustram reflexões sobre temas mais maduros e complexos, tirando o foco que até então estava na sociedade e direcionando-o para o indivíduo. Os destaques do disco são as faixas Espelho no Quintal, De ET pra ET, Samba-Core, Circocore, Aperta o Nó, Águia Filhote e São Paulo é Gig. Foram ao todo seis álbuns de estúdio, pode parecer pouco, mas foi o suficiente para transformar a banda em uma lenda, uma verdadeira instituição do movimento punk brazuca. Mesmo nos anos em que não gravou nada de novo, a banda continuou excursionando e se apresentando nos quatro cantos do país.
Nenhum dos integrantes chegaram a conseguir viver da banda, eles conciliaram durante anos os shows com seus respectivos empregos, sem nunca conseguirem sucesso comercial, o que fato não era o interesse da banda. O Cólera conseguiu atravessar três décadas se mantendo fiel à sua proposta original, sem se deixar levar por modas e pela pressão do mercado convencional. A banda é na minha opinião a que melhor representou não só a cena punk, mas todo o underground brasileiro nos últimos anos. Como você pode perceber no decorrer deste post, onde tentei resumir a trajetória da banda, eles foram os pioneiros de tudo aquilo que sustentou e ainda sustenta o meio alternativo até hoje. Com a morte prematura de Redson, devido a uma parada cardio-respiratória, a banda encerra suas atividades (uma vez que é quase inconcebível alguém o substituir) deixando um aperto no coração de quem presenciou e viveu ao menos parte desta respeitável trajetória.
Redson - um verdadeiro guerreiro do movimento punkl |
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