Frances Ha - 2012. Dirigido por Noah Baumbach. Escrito por Noah Baumbach e Greta Gerwig. Direção de Fotografia de Sam Levy. Produzido por Noah Baumbach, Scott Rudin, Rodrigo Teixeira e Lila Yacoub. Pine District Pictures, RT Features e Scott Rudin Productions / USA.
Frances Halladay (Greta Gerwig) é uma aspirante a bailarina que tenta encontrar um lugar para si em um mundo no qual aparenta não caber. Ela divide um apartamento com Sophie Levee (Mickey Sumner), sua melhor amiga, juntas eles tentam driblar a monotonia e e falta de rumo de suas vidas, elas se completam e este vinculo afetivo é a relação mais consistente que ambas possuem. É a intensidade desta amizade que leva Frances a recusar o convite que o namorado lhe faz para morarem juntos e esta recusa acaba os levando ao rompimento. Sophie, no entanto, não faz a mesma escolha ao se ver diante de uma situação semelhante e sua repentina mudança torna ainda mais evidente o vazio da vida de Frances, que se vê então obrigada a lidar com a solidão, com a carência afetiva e com a falta de dinheiro. Sem ter tanta coisa em que se apegar, ela tenta se esconder atras de uma falsa felicidade, mas, sob a camuflagem de uma alegria fingida existem feridas não curadas e uma forte melancolia. O alto astral, que ela tenta demonstrar, é tão superficial quanto os relacionamentos que ela cria depois da partida da amiga e do término com o namorado.
Frances concentra em si diversas características atribuídas à geração 'y', ela é imediatista, não consegue estabelecer planos de longo prazo, age muitas das vezes movida pelo impulso e a falta de inteligência emocional acaba sendo um de seus maiores entraves. Tudo isso faz com que ela seja uma personagem extremamente empática e cativante, afinal de contas nela estão representados alguns de nossos próprios medos e dúvidas, isso leva ao surgimento de um processo de identificação entre o filme e parte de seu público e este processo é capaz de potencializar um dos principais efeitos do longa: o de chamar a atenção para a fragilidade dos princípios que nos regem na vida em sociedade e para o descolorido do mundo à nossa volta, que parece se tornar menos interessante à medida em que nossos relacionamentos se tornam mais inconsistentes e menos duradouros.
Até ser surpreendida, Frances parecia acreditar que seu relacionamento com Sophie estava imune à qualquer tipo de crise, todavia, isso era uma mera ilusão. Por estar despreparada para enfrentar uma situação inesperada, ela recorre à tentativas falhas de se restabelecer de outras formas, que não através das relações. Percebe-se que ela quer provar para todos à sua volta que está bem e isso explica o exagero quase caricato de sua felicidade, que é tão frágil quanto as ilusões que ela criara anteriormente em relação à amizade com Shophie. Recai então sobre ela o peso das inúmeras cobranças que lhe são feitas pela sociedade: ela tem 27 anos e ainda não tem um emprego estável, não conseguiu alcançar sucesso em nada do que já fez e parece incapaz de viver relacionamentos amorosos que superem a condição de uma mera aventura efêmera... Sophie, por sua vez, tem tudo isso, mas ela também não está feliz, o que nos leva a crer que o padrão de felicidade que ela conquistou (o mesmo adotado pela sociedade) é incapaz de satisfazer seus anseios mais íntimos.
O drama de Frances é o mesmo de toda uma geração que optou pela liberdade em detrimento da segurança, o temor provocado pela incerteza em relação ao futuro e pela ameaça de que uma nova frustração possa reabrir velhas feridas tornou os laços afetivos ainda mais vulneráveis, transformando-os em algo extremamente assustador, indesejável até. É o vazio existencial e a falta de significado da vida que se levantam contra a protagonista e diante deles ela não sabe o que fazer, afinal de contas nem a segurança nem a liberdade são capazes de aplacá-los, resta-lhe então a difícil tarefa de conviver com a sensação de estar em uma realidade à qual não se pertence - Prestem atenção na situação que explica o porquê do sobrenome de Frances ter sido abreviado no título do filme, trata-se de uma metáfora que traduz a condição na qual ela se encontra.
A fotografia em preto e branco dá ao filme uma aura melancólica, quase opressiva em algumas passagens, que reforça a dor presente em sua trama. Isso pode ser percebido em sequências como aquelas que retratam uma curta viagem que Frances faz para a França; a Paris retratada nessas cenas é bem diferente daquela que estamos acostumados a ver em outros filmes. Aqui o descolorido reforça a frieza da cidade e a solidão que a protagonista sente enquanto está lá, a passagem na qual ela tenta acender um cigarro, à margem do Rio Sena, é simples, mas dotada de uma grande carga de significação e representatividade - o isqueiro não funciona e isso basta para que ela esboce uma reação que deixa evidente a sua frustração, é como se nada mais desse certo e diante deste fatalismo até mesmo a "cidade luz" perde o seu brilho. O filme chega a causar um leve aperto no peito, por retratar um mundo plausivelmente real e tão próximo das nossas próprias realidades.
Greta Gerwig está brilhante no papel da protagonista, a sua construção da personagem é cuidadosa e de uma notável entrega. Não tenho dúvidas, Frances Ha é dela e este talvez venha a se tornar o seu papel mais emblemático. O fato dela também assinar o roteiro pode ser uma explicação para a intensidade de sua interpretação, que adquire por isso um viés ainda mais autoral... Noah Baumbach conseguiu o notável feito de dirigir um filme cômico, que passa longe da superficialidade da maioria das comédias românticas, e ao mesmo tempo dramático, sem precisar para tal apelar clichês ou exageros sentimentais... Por enquanto Frances Ha é apenas uma ótima produção com 'algo a mais', mas o tempo pode torná-lo ainda maior, afinal o que temos aqui é um filme sobre a nossa época, sobre nossos amores, sobre nossas amizades, sobre nós... Tudo isso tende a ficar ainda mais claro com o distanciamento proporcionado pelo passar dos anos.
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.