Uma quixotesca ode a um jornalismo utópico e engajado!
Diversas produções já tentaram retratar o mundo do jornalismo, algumas de forma séria e dramática, como nos filmes A Montanha dos Sete Abutres (1951) e Todos os Homens do Presidente (1976), outras com uma veia mais cômica, como em Nos Bastidores da Notícia (1987) e O Jornal (1994). Em The Newsroom, série da HBO que estrou em junho deste ano, o drama caminha de mãos dadas com a comédia. O excelente roteiro, escrito pelo controverso Aaron Sorkin, mescla fatos reais à ficção e entrelaça os dramas pessoais de cada um dos personagens a temas sérios e polêmicos. A trama da série se desenvolve nos bastidores de um telejornal veiculado por um canal de TV por assinatura, em seu centro está o âncora e editor Will McAvoy (Jeff Daniels), um jornalista que se tornou, devido à sua audiência, uma espécie de celebridade. O conforto que sua posição lhe garante, tirou dele a postura militante e combativa que outrora ele tinha, deixando-o acomodado em uma zona neutra onde não oferece perigo para ninguém.
A sequência de abertura do episódio piloto (que é excelente) mostra Will em um seminário em uma faculdade, ele participa, junto com outras duas pessoas, de um debate mediado por um professor. Na platéia estão jovens estudantes, que interagem fazendo perguntas. Ao ser questionado sobre temas polêmicos, Will se esquiva com respostas evasivas ou com piadas. Em dado momento uma estudante faz então uma pergunta direcionada aos três participantes, ela quer saber por que eles consideram o Estados Unidos o melhor país do mundo, neste ponto o jornalista já está visivelmente nervoso e com vertigens - ao que tudo indica a causa do desconforto é alguém que está na platéia. Will responde a pergunta feita pela moça com mais uma piada e em seguida ele tenta se esquivar, mas ao ser pressionado pelo mediador ele, já exaltado, dá a resposta que ninguém estava preparado para ouvir. "Não há evidência que apoie a afirmação de que somos o melhor país", ele afirma e justifica sua opinião com dados e estatísticas.
A resposta polêmica repercute na mídia, Will alega que ela não foi intencional e que teria sido motivada pelos remédios que vinha tomando para vertigem. Apesar da justificativa que ele dá, a emissora decide lhe afastar por algumas semanas do jornal. Ao voltar McAvoy descobre que muita coisa estava prestes a mudar em sua redação, seu produtor executivo, Don Keefer (Thomas Sadoski) é convido para trabalhar em outro programa do horário nobre e leva junto com ele boa parte da equipe. O apresentador então descobre que quase ninguém do atual time queria continuar trabalhando com ele por causa de sua arrogância, poucos são os que decidem ficar. Charlie Skinner (Sam Waterston), diretor de jornalismo da emissora e agente de Will, lhe conta que contratou uma nova produtora enquanto ele esteve afastado, o que o deixa furioso. O problema é que a profissional contrata é MacKenzie McHale (Emily Mortimer), uma jornalista com quem Will teve sérios problemas pessoais no passado.
MacKenzie acabara voltar do oriente médio, onde atuara por cerca de três anos em zonas de conflito, ela estava esgotada e sentia falta da rotina de uma redação. Will acaba aceitando trabalhar com McHale após impor diversas condições à emissora, dentre elas a de ter poder de demiti-la ao final de cada semana. MacKenzie aceita as condições ditadas por ele, no entanto ela quer impor as suas próprias, ela quer dar ao jornal uma nova linha editorial, que substitua a isenção e abstinência, supostamente autoimpostas, pelo engajamento. Ela quer despertar em Will o espírito combativo que ele tivera no passado. Em um dos melhores momentos do primeiro episódio ela diz a ele sobre o que precisam fazer: "Reivindicar o quarto poder. Reivindicar o jornalismo como profissão honrosa. Um telejornal noturno que exibe um debate digno de uma grande nação. Civilidade, respeito e retorno ao que é importante... Um lugar onde todos estaremos juntos..."
Uma significativa parcela da crítica acusou a trama de The Newsroom de ser utópica, simplicista e, portanto, incondizente com a realidade de uma redação de um telejornal, a acusação não é improcedente, no entanto não vejo este viés que Aaron Sorkin dá à trama como algo prejudicial, até o acho interessante, uma vez que ele dá margem para discussões sobre a possibilidade da edificação de um outro modelo de comunicação. O primeiro episódio da série é, ao meu ver, ótimo para fomentar debates sobre a utilidade pública do jornalismo e a postura do profissional de comunicação junto aos diversos públicos com os quais trabalha, dentre eles a sua audiência, seus anunciantes e suas fontes e ainda sobre até que ponto a realidade do mercado e a situação vivida nas empresas de mídia permite a adoção de um modelo que possa ferir interesses e assim causar polêmicas e dissensões.
Jim Harper (John Gallagher, Jr.), Margaret "Maggie" Jordan (Alison Pill), Neal Sampat (Dev Patel) e Sloan Sabbith (Olivia Munn) completam o grupo dos personagens centrais. Harper é o produtor sênior trazido por MacKenzie, ele trabalhara com ela nas zonas de conflito no oriente médio e, apesar de jovem, ele tem um respeitado currículo e uma postura dinâmica e proativa, seu ritmo de trabalho se choca em diversos momentos com o de outros personagens mais velhos do que ele. Maggie era secretária de Will McAvoy, MacKenzie vê potencial nela e a promove a produtora associada assim que chega à redação. Maggie vive um confuso relacionamento com Don Keefer, ela tenta esconder o caso por medo de represálias vindas da emissora.
Neal é um expert em informática que fora contratado para escrever o blog pessoal de McAvoy, no entanto ele atua também como repórter e produtor, ela ainda tenta sugerir algumas pautas para o jornal, mas os temas, por ele propostos, geralmente não são levados a sério pelo restante da equipe. Sloan à princípio parece ser uma daquelas jornalistas que só estão na TV devido á sua beleza, mas no caso dela isso não é verdade, ela é a responsável por uma das editorias mais complexas do jornal, a de economia; em um dos episódios ela surpreende a todos ao revelar que é fluente em japonês, o que lhe dá condições de entrevistar uma importante fonte ao vivo.
Uma das melhores sacadas da série é o fato de ela só retratar a cobertura de fatos reais, notícias que tiveram relevância mundial (não vou revelar nenhuma delas para não estragar as surpresas) e esta dicotomia realidade/ficção é muito bem trabalhada pelo roteiro, há uma profunda pesquisa sobre as diversas condições que envolvem os dias nos quais os fatos aconteceram, que inclui desde o clima, aos horários e outros fatos que aconteceram simultaneamente; todo este cuidado ajuda a conferir um tom mais realista para a série. Esta angulação realista, ao meu ver, deveria prevalecer, todavia, não é o que acontece e é aqui que esbarramos naquele que considero o maior problema desta primeira temporada: a dissonância entre o viés dramático (realista), representado pela cobertura das notícias, e o cômico (escapista), observado nas interações entre os personagens. Este e um dos problemas que fazem com que o nível qualitativo da série caia um pouco no meio desta primeira temporada. Felizmente a qualidade percebida nos primeiros episódios é novamente retomado nos últimos.
As atuações constituem um dos pontos altos da série, todo o elenco está muito bem, com destaque para o Jeff Daniels (que aparece totalmente despido de Harry Dunne, seu personagem mais memorável), Emily Mortimer, Sam Waterston e Olivia Munn, esta última pelo fato de ela ser egressa do mundo da moda, não ter carreira consolida como atriz e ainda assim entregar um desempenho digno dos mais sinceros elogios. O roteiro de Aaron Sorkin traz todas as características que diferenciam seu trabalho: a acidez, a abordagem de temas controversos e os diálogos rápidos. O "walk and talk", técnica sempre utilizada pelo roteirista, que consiste em acompanhar os personagens enquanto eles andam e conversam ao mesmo tempo, também é recorrente, em The Newsroom, ela ajuda a reforçar a ideia de dinamismo e urgência que está associada ao dia-a-dia de uma redação.
The Newsroom, merece ser conferida e debatida por todos, principalmente por jornalistas e acadêmicos de comunicação. Ouso dizer que, apesar da ligeira queda de qualidade em alguns episódios, esta ainda é uma das melhores e mais interessantes séries da atualidade. Torço pela longevidade dela e a recomendo sem restrições!
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,