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domingo, 30 de setembro de 2012

The Newsroom - A Série

Uma quixotesca ode a um jornalismo utópico e engajado!


Diversas produções já tentaram retratar o mundo do jornalismo, algumas de forma séria e dramática, como nos filmes A Montanha dos Sete Abutres (1951Todos os Homens do Presidente (1976), outras com uma veia mais cômica, como em Nos Bastidores da Notícia (1987)O Jornal (1994). Em The Newsroom, série da HBO que estrou em junho deste ano, o drama caminha de mãos dadas com a comédia. O excelente roteiro, escrito pelo controverso Aaron Sorkin, mescla fatos reais à ficção e entrelaça os dramas pessoais de cada um dos personagens a temas sérios e polêmicos. A trama da série se desenvolve nos bastidores de um telejornal veiculado por um canal de TV por assinatura, em seu centro está o âncora e editor Will McAvoy (Jeff Daniels), um jornalista que se tornou, devido à sua audiência, uma espécie de celebridade. O conforto que sua posição lhe garante, tirou dele a postura militante e combativa que outrora ele tinha, deixando-o acomodado em uma zona neutra onde não oferece perigo para ninguém.

A sequência de abertura do episódio piloto (que é excelente) mostra Will em um seminário em uma faculdade, ele participa, junto com outras duas pessoas, de um debate mediado por um professor. Na platéia estão jovens estudantes, que interagem fazendo perguntas. Ao ser questionado sobre temas polêmicos, Will se esquiva com respostas evasivas ou com piadas. Em dado momento uma estudante faz então uma pergunta direcionada aos três participantes, ela quer saber por que eles consideram o Estados Unidos o melhor país do mundo, neste ponto o jornalista já está visivelmente nervoso e com vertigens - ao que tudo indica a causa do desconforto é alguém que está na platéia. Will responde a pergunta feita pela moça com mais uma piada e em seguida ele tenta se esquivar, mas ao ser pressionado pelo mediador ele, já exaltado, dá a resposta que ninguém estava preparado para ouvir. "Não há evidência que apoie a afirmação de que somos o melhor país", ele afirma e justifica sua opinião com dados e estatísticas.


A resposta polêmica repercute na mídia, Will alega que ela não foi intencional e que teria sido motivada pelos remédios que vinha tomando para vertigem. Apesar da justificativa que ele dá, a emissora decide lhe afastar por algumas semanas do jornal. Ao voltar McAvoy descobre que muita coisa estava prestes a mudar em sua redação, seu produtor executivo, Don Keefer (Thomas Sadoski) é convido para trabalhar em outro programa do horário nobre e leva junto com ele boa parte da equipe. O apresentador então descobre que quase ninguém do atual time queria continuar trabalhando com ele por causa de sua arrogância, poucos são os que decidem ficar. Charlie Skinner (Sam Waterston), diretor de jornalismo da emissora e agente de Will, lhe conta que contratou uma nova produtora enquanto ele esteve afastado, o que o deixa furioso. O problema é que a profissional contrata é MacKenzie McHale (Emily Mortimer), uma jornalista com quem Will teve sérios problemas pessoais no passado. 


MacKenzie acabara voltar do oriente médio, onde atuara por cerca de três anos em zonas de conflito, ela estava esgotada e sentia falta da rotina de uma redação. Will acaba aceitando trabalhar com McHale após impor diversas condições à emissora, dentre elas a de ter poder de demiti-la ao final de cada semana.  MacKenzie aceita as condições ditadas por ele, no entanto ela quer impor as suas próprias, ela quer dar ao jornal uma nova linha editorial, que substitua a isenção e abstinência, supostamente autoimpostas, pelo engajamento. Ela quer despertar em Will o espírito combativo que ele tivera no passado. Em um dos melhores momentos do primeiro episódio ela diz a ele sobre o que precisam fazer: "Reivindicar o quarto poder. Reivindicar o jornalismo como profissão honrosa. Um telejornal noturno que exibe um debate digno de uma grande nação. Civilidade, respeito e retorno ao que é importante... Um lugar onde todos estaremos juntos..."


Uma significativa parcela da crítica acusou a trama de The Newsroom de ser utópica, simplicista e, portanto, incondizente com a realidade de uma redação de um telejornal, a acusação não é improcedente, no entanto não vejo este viés que Aaron Sorkin dá à trama como algo prejudicial, até o acho interessante, uma vez que ele dá margem para discussões sobre a possibilidade da edificação de um outro modelo de comunicação. O primeiro episódio da série é, ao meu ver, ótimo para fomentar debates sobre a utilidade pública do jornalismo e a postura do profissional de comunicação junto aos diversos públicos com os quais trabalha, dentre eles a sua audiência, seus anunciantes e suas fontes e ainda sobre até que ponto a realidade do mercado e a situação vivida nas empresas de mídia permite a adoção de um modelo que possa ferir interesses e assim causar polêmicas e dissensões.


Jim Harper (John Gallagher, Jr.), Margaret "Maggie" Jordan (Alison Pill), Neal Sampat (Dev Patel) e Sloan Sabbith (Olivia Munn) completam o grupo dos personagens centrais. Harper é o produtor sênior trazido por MacKenzie, ele trabalhara com ela nas zonas de conflito no oriente médio e, apesar de jovem, ele tem um respeitado currículo e uma postura dinâmica e proativa, seu ritmo de trabalho se choca em diversos momentos com o de outros personagens mais velhos do que ele. Maggie era secretária de Will McAvoy, MacKenzie vê potencial nela e a promove a produtora associada assim que chega à redação. Maggie vive um confuso relacionamento com Don Keefer, ela tenta esconder o caso por medo de represálias vindas da emissora. 


Neal é um expert em informática que fora contratado para escrever o blog pessoal de McAvoy, no entanto ele atua também como repórter e produtor, ela ainda tenta sugerir algumas pautas para o jornal, mas os temas, por ele propostos, geralmente não são levados a sério pelo restante da equipe. Sloan à princípio parece ser uma daquelas jornalistas que só estão na TV devido á sua beleza, mas no caso dela isso não é verdade, ela é a responsável por uma das editorias mais complexas do jornal, a de economia; em um dos episódios ela surpreende a todos ao revelar que é fluente em japonês, o que lhe dá condições de entrevistar uma importante fonte ao vivo.


Uma das melhores sacadas da série é o fato de ela só retratar a cobertura de fatos reais, notícias que tiveram relevância mundial (não vou revelar nenhuma delas para não estragar as surpresas) e esta dicotomia realidade/ficção é muito bem trabalhada pelo roteiro, há uma profunda pesquisa sobre as diversas condições que envolvem os dias nos quais os fatos aconteceram, que inclui desde o clima, aos horários e outros fatos que aconteceram simultaneamente; todo este cuidado ajuda a conferir um tom mais realista para a série. Esta angulação realista, ao meu ver, deveria prevalecer, todavia, não é o que acontece e é aqui que esbarramos naquele que considero o maior problema desta primeira temporada: a dissonância entre o viés dramático (realista), representado pela cobertura das notícias, e o cômico (escapista), observado nas interações entre os personagens. Este e um dos problemas que fazem com que o nível qualitativo da série caia um pouco no meio desta primeira temporada. Felizmente a qualidade percebida nos primeiros episódios é novamente retomado nos últimos. 


As atuações constituem um dos pontos altos da série, todo o elenco está muito bem, com destaque para o Jeff Daniels (que aparece totalmente despido de Harry Dunne, seu personagem mais memorável), Emily Mortimer, Sam Waterston e Olivia Munn, esta última pelo fato de ela ser egressa do mundo da moda, não ter carreira consolida como atriz e ainda assim entregar um desempenho digno dos mais sinceros elogios. O roteiro de Aaron Sorkin traz  todas as características que diferenciam seu trabalho: a acidez, a abordagem de temas controversos e os diálogos rápidos. O "walk and talk", técnica sempre utilizada pelo roteirista, que consiste em acompanhar  os personagens enquanto eles andam e conversam ao mesmo tempo, também é recorrente, em The Newsroom, ela ajuda a reforçar a ideia de dinamismo e urgência que está associada ao dia-a-dia de uma redação.

The Newsroom, merece ser conferida e debatida por todos, principalmente por jornalistas e acadêmicos de comunicação. Ouso dizer que, apesar da ligeira queda de qualidade em alguns episódios, esta ainda é uma das melhores e mais interessantes séries da atualidade. Torço pela longevidade dela e a recomendo sem restrições! 


Assistam ao trailer da primeira temporada de The Newsroom no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Os Melhores do Mundo - Hermanoteu na Terra de Godah

Hermanoteu na Terra de Godah - Espetáculo apresentado no Cine Theatro Central em Juiz de Fora, no dia 22 de setembro de 2012. Peça escrita, dirigida e encenada por Adriana Nunes, Adriano Siri, Jovane Nunes, Victor Leal e Welder Rodrigues, com a participação em off de Chico Anysio, como a voz de Deus.


A peça Hermanoteu na Terra de Godah foi escrita há 17 anos pelos integrantes da companhia teatral Os Melhores do Mundo, desde então ela foi encenada em diversas cidades brasileiras, virou viral no you tube e em 2009 foi lançada em DVD. Seu texto narra as andanças de Hermanoteu, um hebreu da Pentescopéia, que recebe de Deus a missão de encontrar a Terra de Godah e libertar seu povo. Em sua jornada ele passa pelo Egito, por Roma e por outros lugares reais ou fictícios, onde se encontra com figuras como César, Cleópatra, Jesus e o diabo, além de outros personagens caricatos saídos de histórias e mitologias da antiguidade ou de histórias bíblicas. A construção do roteiro se dá em tons de sátira e ironia e as interações entre Hermanoteu e os outros personagens é repleta de improvisos, nos quais são encaixadas referências à celebridades e à fatos que foram notícia.

Foi quase que por acaso que descobri, no início da semana que passou, que a Cia Os Melhores do Mundo iria se apresentar novamente em Juiz de Fora (eles já tinham vindo há alguns anos, oportunidade que perdi). Mesmo já estando relativamente perto da data, chamei alguns amigos, que aceitaram o convite e combinamos de ir para Juiz de Fora no sábado (22/09) á tarde. Compramos os ingressos antecipadamente e, apesar de alguns imprevistos, no final tudo deu certo. A apresentação foi melhor do que eu esperava. Mesmo já sendo conhecida da grande maioria, a história provocou risadas do início ao fim. A improvisação, feita em alguns pontos, conferiu à ela uma roupagem nova e a notável habilidade de todo o elenco fez com que mesmo as piadas já saturadas soassem engraçadas e arrancassem gargalhadas de toda a plateia.


Dentre os vários pontos positivos da apresentação, destaco a participação especial do comediante Gustavo Mendes, que fez uma ponta na pele de seu personagem mais famoso, a Presidente Dilma. A piada que ele fez sobre uma candidata à prefeitura de Juiz de Fora, que também estaria imitando a Dilma, foi uma das melhores tiradas da noite... Dentre os pontos negativos, que felizmente foram poucos, destaco a não atualização de algumas das referências feitas durante a peça. Casos como o do padre que alçou voo pendurado em balões e o do encontro do jogador Ronaldo com um travesti foram revisitados, mesmo já não tendo o mesmo apelo que tinham em 2009, quando o DVD foi gravado. 


Outro ponto que considero negativo diz respeito ao fato de usarem temas conhecidos apenas dos juiz-de-foranos para elaborarem algumas das piadas, que consequentemente não funcionaram para quem, como meus amigos e eu, não estavam já familiarizados com o dia-a-dia e com lugares específicos da cidade. Contudo, reconheço que o uso da proximidade para elaborar tiradas é um aspecto natural em shows de comédia e que os deslocados (como nós) na apresentação representavam um percentual ínfimo do público, afinal a grande maioria reagia de forma calorosa às tiradas que citavam bairros, logradouros e estabelecimentos da cidade.


A minha avaliação final da encenação, no entanto, é extremamente positiva, os pequenos problemas que citei não chegam a prejudicá-la. Afirmo sem ressalvas que valeu muito a pena tê-la conferido ao vivo e recomendo para todos que curtem uma comédia bem escrita e repleta de tiradas hilárias.
* Esta foi a primeira vez que fui ao Cine Theatro Central em Juiz de Fora, o local possui um excelente espaço físico e sua arquitetura e decoração são belíssimas. Penso, no entanto, que a venda de ingressos poderia ser otimizada com a opção de compra pela internet, o que ajudaria e muito quem está fora da cidade e não quer correr o risco de deixar para comprar o bilhete na portaria, já na hora do espetáculo. 


O espetáculo Hermanoteu na Terra de Godah pode ser conferido na íntegra no You Tube, confiram abaixo:



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Vencedores do Emmy Awards 2012


A entrega do Emmy Awards 2012, promovida pela Academia de Televisão, Artes e Ciências, aconteceu ontem em Los Angeles, a cerimônia foi apresentada pelo comediante Jimmy Kimmel. American Horror Story e Mad Men eram as séries com maior número de indicações, 17 cada uma, considerando-se também os prêmios técnicos, no entanto o favoritismo que ambas detinham não se cumpriu, a primeira ganhou apenas dois prêmios e Mad Man pela primeira vez não ganhou nada, o que pessoalmente considero um absurdo, uma vez que considero a última a melhor temporada da série. As grandes vencedoras foram Modern Family e Homeland.


Vamos então à lista completa dos vencedores das principais categorias:

Melhor Série Dramática:
Homeland

Melhor Série Cômica:
Modern Family

Melhor Minissérie ou Telefilme:
Game Change (Telefilme)

Melhor Ator de Série Dramática:
Damian Lewis por Homeland

Melhor Ator de Série Cômica:
Jon Cryer por Two And A Half Men

Melhor Ator de Minissérie ou Telefilme: Kevin Costner
por Hatfields & McCoys

Melhor Atriz de Série Dramática:
Claire Danes por Homeland

Melhor Atriz de Série Cômica:
Julia Louis-Dreyfus por Veep

Melhor Atriz em Minissérie ou Telefilme:
Julianne Moore por Game Change

Elenco da série Homeland
Melhor Ator Coadjuvante em Série Dramática:
Aaron Paul por Breaking Bad

Melhor Ator Coadjuvante em Série Cômica:
Eric Stonestreet por Modern Family

Melhor Ator Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme:
Tom Berenger por Hatfields & McCoys

Melhor Atriz Coadjuvante em Série Dramática:
Maggie Smith por Downton Abbey

Melhor Atriz Coadjuvante em Série Cômica:
Julie Bowen por Modern Family

Melhor Atriz Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme:
Jessica Lange por American Horror Story

Elenco da série Modern Family
Melhor Roteiro – Série Dramática:
Alex Gansa, Gideon Raff e Howard Gordon por Homeland – Pilot

Melhor Roteiro – Série Cômica:
Louis C.K. por Louie – Pregnant

Melhor Roteiro – Minissérie, Telefilme ou Especial:
Danny Strong por Game Change

Melhor Direção – Série Dramática:
Tim Van Patten por Boardwalk Empire – To The Lost

Melhor Direção – Série Cômica:
Steven Levitan por Modern Family – Baby On Board

Melhor Direção – Minissérie, Telefilme ou Especial:
Jay Roach por Game Change

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Girls - A Série

Um retrato seco, sarcástico e bem humorado do que é ser jovem,
partindo da perspectiva de quatro garotas de Nova York!


Uma série protagonizada por quatro garotas que fala sobre relacionamentos, amizades e as peculiaridades do universo feminino - Esta bem que poderia ser uma descrição de Sex and the City, série exibida pela HBO entre 1998 e 2004, mas não, esta é Girls, uma das mais recentes produções da mesma emissora, que vem arrancado calorosos elogios da crítica especializada. A referência à série que foi sucesso no início dos anos 2000 está escancarada já no episódio piloto da nova produção, o poster de Sex and the City aparece no quarto de uma das personagens e é o tema de um divertido diálogo, no entanto rapidamente descobrimos que a semelhança entre as duas produções é apenas aparente, Girls, apesar de transitar em um mesmo universo, é mais realista e seu humor mais ácido e contundente do que o da outra série. 

Girls dificilmente despertaria a minha curiosidade com sua sinopse, temática e universo. Se não fosse pelos elogios feitos por um amigo, eu provavelmente não a teria visto por puro preconceito. No entanto, ao terminar a primeira temporada, que tem apenas 10 episódios de menos de meia hora, cheguei à conclusão de que tinha visto uma das séries mais interessantes da atualidade. Confesso que se não fosse pela falta de tempo eu me disporia a rever todos capítulos, tenho certeza de que eu iria gostar ainda mais de cada um deles. Atribui este meu crescente entusiasmo à forma com o roteiro trabalha cada uma das personagens centrais, inserindo-as em situações que revelam quem elas são de verdade, deixando à vista suas falhas, vícios e outras coisas que provavelmente Sex and the City não mostraria.


Pode parecer contraditório, mas é na ausência de glamour que está todo o charme da série, as garotas retratadas por ela não são beldades, não têm inteligência acima da média, não possuem empregos invejáveis e aparentemente não sabem lidar com seus relacionamentos, são, resumindo, garotas comuns que enfrentam os mesmos problemas que são conhecidos de tantas outras jovens da mesma faixa etária. Na série, Hannah Horvath (Lena Dunham), Marnie Michaels (Allison Williams), Jessa Johansson (Jemima Kirke) e Shoshanna Shapiro (Zosia Mamet) estão em busca de suas respectivas identidades, de um lugar no mercado de trabalho e de curtição, no entanto nada disso é tão simples de ser conquistado, como parecia ser em Sex and the City. Os relacionamentos conturbados nos quais cada uma delas se envolvem surgem como um reflexo das crises existentes também nas outras áreas de suas vidas.


A primeira sequência do episódio piloto mostra Hannah em um diálogo com seus pais em um restaurante, a conversa, que parecia até então descontraída, adquire um outro tom quando a decisão deles de cortar a mesada, que ela ganhava desde a época da faculdade, é anunciada. Desde que terminou a graduação de letras há cerca de dois anos, Hannah se manteve acomodada em um estágio não remunerado. Ela tem a ambição de ser uma escritora bem sucedida, a voz de sua geração, como ela mesma diz, no entanto sua inércia e baixa autoestima a impede de sair de sua zona de conforto e de assim criar oportunidades para que sua carreira possa deslanchar. Ela insiste em apostar em um 'namoro' com Adam Sackler (Adam Driver), um rapaz  no mínimo esquisito, com quem ela se encontra ocasionalmente para transas descompromissadas; o relacionamento entre eles é um dos pontos altos da série, é interessante ver como ambos os personagens são transformados no decorrer da temporada.


Hannah divide um apartamento com Marnie, esta é, dentre as quatro personagens, a que tem a vida o mais próximo daquilo que que se tem como padrão de felicidade, ela é bonita (apesar de não ser nenhuma top model) e tem um relacionamento estável com um rapaz que a ama de verdade, no entanto ela não está feliz, ela não se sente realizada em seu trabalho de recepcionista em uma galeria de arte, nem em seu namoro, todavia, assim como Hannah, ela se mantém inerte por não ter coragem de intervir em sua própria realidade. Shoshanna, a dono do quarto com o pôster de Sex and the City, é ingênua e faz de tudo para tentar parecer descolada, coisa que ela definitivamente não é, Jessa, sua prima recém chegada da Grã-Bretanha é sua principal referência de comportamento. Jessa cursa filosofia e está fazendo intercâmbio nos Estados Unidos, ela é aparentemente a mais feliz do grupo, sua personalidade forte e sua autoconfiança a tornam um tanto diferente de suas amigas, mas no fundo tudo isso não passa de mera aparência.


Cada um dos personagens da série, inclusive os secundários, vão sendo moldados e trabalhados à cada capítulo, aquilo que à princípio nos parecia meros estereótipos é progressivamente desfeito para dar lugar à uma complexidade capaz de torna-los verossimilhantes e humanizados. Nos anseios de cada um deles, vemos reproduzidas as nossas próprias aspirações e isso faz com que de alguma forma acabemos nos identificando com eles, seja em suas frustrações ou até mesmo na forma com que cada um deles tenta lidar com seus dilemas e problemas do cotidiano. O roteiro, que é muito bem escrito, permite que a serie vá do drama à comédia com uma destreza incrível. Piadas, tiradas irônicas e gags físicas são encaixadas perfeitamente à trama conferindo à ela um ritmo bem conduzido que a torna ainda mais prazerosa de ser assistida.


Lena Dunham, que também dirige, escreve e produz a série, está ótima na pele de Hannah, ela é uma excelente atriz e isso fica evidente em diversas passagens da série - ao assisti-la preste atenção nas feições, no olhar e nos pequenos gestos da atriz. O restante do elenco também entrega desempenhos elogiáveis, o que desmente a provável acusação de que elas estariam na série devido tão somente à influência de seus pais (todas as garotas são filhas de influentes personalidades do meio artístico ou da TV). Dunham, Williams, Kirke e Mamet mostram ao que vieram e que se a carta de recomendações lhes abriram portas, elas têm talento o suficiente para mantê-las abertas por suas próprias contas. Vale destacar também a trilha sonora da série, que é composta por ótimas canções, que são muito bem usadas, principalmente no encerramento de cada episódio, que acontece sempre ao som de uma música diferente. 


Recomendo que você se dispa do mesmo preconceito que tive em relação à série e permita que ela lhe cative aos poucos como fez comigo. Girls pode causar alguns estranhamento nos primeiros capítulos, mas tal estranhamento vem do fato dela nos apresentar algo bem diferente daquilo que esperávamos ver; este tipo de surpresa na TV já compensa cada um dos poucos minutos, que cada um dos episódios nos pedem... Já estou aguardando ansioso pela segunda temporada, que deverá estrear em janeiro de 2013. 


Girls está indicada ao Emmy 2012 nas categorias de Melhor Série de Comédia, Atriz em Série de Comédia, Roteiro, e Direção - todas estas indicações para Lena Dunham.

Assistam ao trailer da primeira temporada de Girls no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,

sábado, 15 de setembro de 2012

On the Road - O Livro

On the Road - O Manuscrito Original de Jack Kerouac. Lançado originalmente em 1957. Tradução de Eduardo Bueno e Lúcia Brito. Porto Alegre, RS. L&PM POCKET, 2011.


On the Road de Jack Kerouac, publicado em 1957, é um dos livros mais importantes e influentes da segunda metade do século passado. Dizer que ele abriu as portas para a contra-cultura e para a pós modernidade não é nenhum exagero, uma vez que ele tem sido frequentemente apontado como referência por algumas das personalidades mais importantes do mundo artístico nas últimas décadas. Pode-se dizer que ele inaugurou o protagonismo juvenil nas artes, protagonismo este que esteve em sintonia com a explosão do rock´n´roll nos anos 50, e serviu de impulso para o movimento hippie e a contra-cultura na década de  60 e para o movimento punk na de 70. A busca pela liberdade e por um sentindo maior para uma vida destituída de qualquer sentido é a principal tônica desta, que é a obra mais importante do escritor Jack Kerouac e da Geração Beat (à qual o autor teve o nome associado a contragosto). No livro são narradas as desventuras de personagens reais que estão inconformados com o establishment e que decidem viver de forma marginal (no sentido de estar à margem), de acordo com suas próprias leis e princípios. 

Logo após sua publicação, o livro se tronaria o porta voz de uma juventude que começava a reivindicar seu lugar no mundo e na história, no entanto, há que se reconhecer que o passar do tempo lhe tirou um percentual significativo da periculosidade que ele representou quando foi lançado em meados da década de 50, naquela ocasião o mundo ainda não estava preparado para um debate aberto sobre sexo e qualquer abordagem sobre consumo de drogas ilícitas ainda era tido como um tema tabu na literatura. Se tivesse sido lançado nos dias de hoje, On the Road não teria talvez força alguma, pois seria tão somente uma história de jovens que pegam a estrada juntos, se drogam e fazem sexo de forma inconsequente. No entanto, seria um erro analisá-lo por esta ótica, pois antes de qualquer reflexão sobre ele e aquilo que ele representa é necessário que se faça a contextualização, ou seja, é preciso relacioná-lo á época na qual ele ele foi escrito e de que forma ele se relaciona com as leis, os princípios e moral que regiam a sociedade naquele período.

O autor Jack Kerouac
A história de On the Road é narrada através de um alucinado e aparentemente ininterrupto fluxo de recordações no qual, conforme reza a lenda, o autor Jack Kerouac teria mergulhado por algumas semanas sob o efeito de benzedrina (droga estimulante derivada da anfetamina). Todo a proza que compõe a obra foi digitada em uma grande rolo de papel, feito pelo próprio escritor, para não precisar de fazer pausas para trocar a folha na máquina de escrever e assim interromper o fluxo. A versão que li, que agora comento, reproduz o texto deste manuscrito original, sem as alterações que foram impostas pelos editores e com os personagens sendo identificados pelos seus nomes reais. A ausência de parágrafos e de qualquer tipo de pausa ou divisão no texto denota o ritmo que obra tem, o que por sua vez seria um resultado do processo de composição que acabei de comentar - Confesso que vi a ausência de 'quebras' no texto como um pequeno dificultador para a leitura, uma vez que estou acostumado a usar parágrafos e mudanças de capítulos para demarcar pausas.

Kerouac e o manuscrito original.
A narrativa começa quando Jack, logo após a morte de seu pai, decide fazer uma viagem que deveria percorrer algumas partes do território americano junto com alguns de seus amigos. Kerouac deixara Nova York em julho de 1947, com uma mochila nas costas e cinquenta dólares no bolso, para encontrar com os companheiros em San Francisco. O plano inicial dele era chegar no meio oeste, curti bastante com sua turma, que já estaria lá, e logo após tentar conseguir emprego em algum navio cargueiro, esta seria para ele uma forma de ganhar dinheiro e de fazer uma viagem inesquecível pelo Pacífico... 

A aventura marítima que tinha sido planejada nunca aconteceria, porém esta seria a viagem na qual Jack descobriria sua paixão pela estrada e por tudo aquilo que ela representava, da liberdade à possibilidade de inúmeras descobertas e experiências e isto fica evidente no fascínio com que ele descreve cada uma das pessoas com quem encontra e as experiência que ele vive junto com elas.

Jack Kerouac e Neal Cassady
Ainda que Kerouac seja o narrador e um dos 'personagens' mais importantes, o foco da trama está é em seu amigo Neal Cassady, sobre quem ele fala com entusiamo e admiração. Neal era um delinquente juvenil que havia passado uma boa parte de sua vida em um reformatório, ele possuía um temperamento instável, mas ao mesmo tempo cativante. 

Ao se ver livre da instituição onde estivera recluso Neal decide recuperar o tempo perdido e tudo o que ele queria a partir de então era curtir a vida ao máximo. Curtição para ele era sinônimo de mulheres, drogas, bebop (gênero musical derivado do Jazz tradicional, porém bem mais nervoso) e, obviamente, a estrada. Cassady fora atraído pelos conhecimentos sobre literatura e filosofia que Jack e sua turma detinham e sua ingenuidade e  simplicidade, aliadas à sua paixão pela liberdade, cativaram Kerouac imediatamente, desta admiração mútua surgiria uma amizade forte e duradoura, mas potencialmente destrutiva para ambos.

Neal Cassady e Al Hinkle
Em suas andanças pelo território americano, Jack, Neal e seus amigos, dentre estes Luanne Henderson (namorada de Neal), Al Hinkle, Allen Ginsberg, Frank Jeffries e William S. Burroughs, vivem experiências que os transformam e os amadurecem, algumas vezes da pior maneira possível. O amadurecimento forçado pode ser notado na diferença em seus comportamentos e atitudes em cada um das cinco viagens descritas. A vida desregrada lhes traria inúmeros prazeres, mas também cobraria o seu preço, o que não era algo inesperado para nenhum dos que a abraçavam. Eles sabiam que estavam assumindo um alto risco, mas para eles a diversão valia a pena e o preço não era tão alto a ponto de os fazerem recuar. 

Em meio a tantos pontos repreensíveis e até condenáveis observados no caráter e nas ações de cada um destes jovens impetuosos, acho que posso destacar como algo louvável a coragem que eles tiveram de bater de frente com o mundo e de se jogarem contra cada um dos obstáculos que suas respectivas vidas lhes impuseram, coragem esta que eu invejo. 

O manuscrito original do livro - ele esteve exposto no Museu das Letras e Manuscritos
na França entre maio e agosto deste ano.
On the Road me fez refletir sobre minha própria inércia e acomodação, em diversos momentos da leitura ele conseguiu despertar em mim algo que eu já considerava morto, o desejo pelas pelas experiências autênticas, aquelas que são capazes de nos mostrar que ainda estamos de fato vivos... 

Tendo ou não o impacto que tivera outrora, o livro continuará sendo um clássico e seus frutos, diretos e indiretos, bons ou ruins, continuarão aí ainda por muito tempo. As experiências vividas pelos 'personagens'  serviram como uma espécie de ensaio para a libertação sexual, o experimentalismo e a desobediência civil que caracterizariam as décadas seguintes e a proza simples e sem firulas de Kerouac apontaria novos caminhos para literatura, apresentando um modelo no qual a força da narrativa estava na experiência contada por ela e não nas palavras que a compunham (qualquer semelhança com os três acordes do punk rock ou até mesmo com as transformações que o cinema americano viveu na década de 70 não é mera coincidência).


De 1957 para cá, muitos jovens começaram seus anos de rebeldia com este livro em suas cabeceiras, dentre eles estava o músico Robert Allen Zimmerman, que, depois de seu primeiro contato com a obra, tomou coragem de abandonar a faculdade e ir tentar a sorte em Nova Iorque. Zimmerman adotaria o pseudônimo de Bob Dylan e faria a sua própria revolução no cenário cultural, mas esta é uma outra história... É de Dylan a citação presente na capa desta edição do livro, na qual ele afirma enfaticamente: "Este livro mudou minha vida" - Talvez On the Road não tenha mudado tão somente a vida do músico, talvez ele tenha mudado o mundo, coisa que Jack Kerouac jamais imaginaria quando escreveu um bilhete para a mãe, que estava no trabalho, e caiu fora em direção ao Pacífico no verão de 47....

Mapa das cinco viagens de Kerouac, que foram narradas por ele no livro
Neste ano, o livro ganhou sua primeira adaptação cinematográfica, que foi dirigida pelo brasileiro Walter Salles, o filme recebeu diversas críticas negativas pela sua suposta superficialidade, o que talvez seja o resultado da inegável dificuldade de adaptar uma obra com tantos 'personagens', cuja essência dificilmente poderia ser capturada com imagens...


Visitem a página de On the Road no Skoob, clique AQUI!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Vencedores do Festival de Cinema de Veneza 2012


A 69° edição do Festival de Veneza, que aconteceu entre os dias 29 de agosto e 8 setembro, apresentou ao todo 50 títulos, dentre curtas e longas-metragem. Mantendo sua tradição, o Festival selecionou obras de diversas partes do mundo, algumas com presumido valor artístico e outras focadas tão somente no entretenimento. Leão de Ouro, prêmio máximo da mostra, foi entrega ao filme sul-coreano Pietá, do cineasta Kim Ki-duk. The Master, de Paul Thomas Anderson, que era o favorito, ficou com o Leão de Prata de Melhor Diretor e com o prêmio de Melhor Ator (dividido por Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffmann, seus dois protagonistas). O aguardado Passion, que marca o retorno do diretor Brian de Palma, era um dos favoritos para o Queer Lion, prêmio entregue a filmes que se destacaram na abordagem da temática LGBT, no entanto ele acabou não levando nada além de elogios.

Confiram abaixo a lista completa dos vencedores:

Leão de Ouro (Melhor Filme) - Pieta de Kim Ki-duk

Leão de Prata (Melhor Diretor) - Paul Thomas Anderson por The Master

Melhor Ator - Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman por The Master

Melhor Atriz - Hadas Yaron por Lemale et Ha'Chalal

Grande Prémio do Júri - Paradise: Faith de Ulrich Seidl

Prémio Marcelo Mastroianni (Novo Talento Masculino ou Feminino) - Fabrizio Falco, por seus papéis em E Stato il Figlio de Daniele Cipri e Bella Addormentata de Marco Bellocchio

Osella Para Melhor Roteiro - Olivier Assayas por Après Mai

Osella Para Melhor Fotografia - Daniele Cipri por E Stato il Figlio

Leão de Ouro do Futuro - Kuf: Mold de Ali Aydin

Prêmio Queer Lion - The Weight de Jeon Kyu-hwan

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

In Treatment - A Série

Versão americana da série israelense Betipul aborda o drama psicológico de pessoas comuns, em um verdadeiro show de atuações, roteiro e técnica!  


A série Betipul (בטיפולestreou em Israel em 2005 e o seu impacto foi tamanho que de lá pra cá ela foi refilmada em mais de 30 países, dentre eles Estados Unidos, Argentina, Romênia, Holanda e Eslovênia. Acredito que a melhor explicação para o sucesso do argumento esteja no fato de ele ser universal, independente da cultura na qual os personagens estão inseridos, eles são do mesmo modo atordoados, alguns pela culpa que sentem e outros por não saberem lidar com feridas que estão abertas deste suas infâncias... O que vemos em In Treatment, a versão americana da série, é um drama seco, realista, povoado por personagens comuns, que sofrem com problemas aos quais nenhum de nós estamos imunes. A relativa proximidade destes problemas é o que torna a trama tão impactante e contundente.

As pessoas cujo drama a série acompanha são verossimilhantes por não serem maniqueístas e por não terem seus comportamentos e atitudes guiados por situações simplicistas, a complexidade de seus dramas é o que as torna tão reais, humanas e capazes de despertar em nós expectadores algo bem próximo da compaixão. No decorrer da primeira temporada, que é a que abordarei nesta resenha, cada um dos personagens são  lentamente desnudados diante de uma câmera que parece captar mais do que tão somente imagens, é neste fenômeno que se encontra  a genialidade da série, há nela uma aura opressiva que paira sobre cada um dos episódios e que nos remete à angústia existencial tão presente no mundo moderno.  


Cada episódio de In Treatment tem cerca de 25 minutos de duração e seu enredo se desenvolve, quase que exclusivamente, no consultório do terapeuta Paul Weston (Gabriel Byrne). A trama é costurada a partir das confissões, relatos e desabafos de cada um dos pacientes que ele atende. Cada capítulo da série cobre um determinado dia - variando de segunda à sexta-feira - e em cada um desses dias Paul se encontra com algum dentre seus pacientes que o visitam semanalmente. 

A paciente da segunda-feira é Laura (Melissa George), ela é uma anestesiologista que buscou ajuda especializada por reconhecer que não estava conseguindo lidar de uma forma madura e coerente com seus relacionamentos, sempre conturbados. Alex (Blair Underwood) é o paciente da terça, ele é um militar, piloto de caça, que sofrera um ataque cardíaco e que precisa de uma avaliação psicológica antes de voltar à atividade. Na quarta-feira é a vez de Sophie (Mia Wasikowska), uma ginasta adolescente que sofreu um acidente de bicicleta e que precisa de um laudo médico para voltar a treinar e competir. Amy (Embeth Davidtz) e Jake (Josh Charles) são os pacientes de quinta-feira, eles são casados, Amy está grávida e eles querem decidir entre abortar ou não.


À princípio cada uma das histórias pode parecer um tanto clichê e os personagens similares a tantos outros que já vimos em outras séries e filmes, porém o poço é muito mais fundo do que aparenta, aquilo que vemos nos primeiros episódios é só a ponta do icebergue, a superfície de algo muito maior e mais assustador, que emerge lentamente à medida que a trama avança. 

O problema de cada um dos pacientes é bem mais complicado do que nos parece à princípio. O ataque cardíaco de Alex esta provavelmente relacionado a um sentimento de culpa, que ele nega ter, por ter matado 16 crianças em uma missão no Afeganistão, na qual tudo dera errado. Há a suspeita de que o acidente de Sophie não tenha sido de fato um acidente, mas uma tentativa frustrada de suicídio, o que ela nega veementemente. Amy e jake precisam encarar diversos outros dilemas, além da decisão acerca do aborto, para salvar o casamento deles, que já está por um fio.


Laura, a paciente de segunda é uma das personagens mais importantes da série, em torno dela se desenvolve um dos dilemas que se arrastará até o final desta primeira temporada, já no primeiro capítulo ela confesse a Paul que está apaixonada por ele e que há mais de um ano convive com este sentimento. Paul classifica a atração que ela sente como um caso de transferência erótica, situação na qual o paciente se envolve além da conta com seu terapeuta, a ponto de ver nele uma segurança que é facilmente confundida com desejo sexual. 

A anestesiologista no entanto se recusa a acreditar que tudo seja fruto de uma neurose e acusa Paul de covarde por ele não ter coragem de assumir que também sente algo por ela. De fato, Laura não está completamente enganada, o casamento de Paul está em crise, sua vida familiar parece estar desmoronando e ele passa a ver na possibilidade de iniciar um relacionamento com ela a saída para começar uma nova fase em sua vida. No entanto ele esbarra na questão da ética profissional e daí surge a dúvida entre assumir ou não o que sente.


O complicado questionamento moral feito por Paul o leva a pedir aconselhamento de uma antiga colega de profissão, que ele passara algum tempo sem ver, a doutora Gina (Dianne Wiest). Ela aceita se encontrar com ele uma vez por semana para que possam conversar sobre os problemas que ele está vivendo, estes encontros acabam se tornando verdadeiras sessões e ela, mesmo já estando aposentada, acaba se tornando sua terapeuta e mentora. Dos diálogos entre eles surgem reflexões profundas sobre a eficácia da psicoterapia e dos métodos utilizados por ambos. 

O processo, no qual os personagens têm seus dramas psicológicos expostos e revirados, deixa aparentes as motivações, até então ocultas, que teriam os levado a ter determinadas atitudes e comportamentos. Estas motivações surgem, não como fórmulas matemáticas precisas, mas como hipóteses que podem ou não mudar no decorrer da narrativa. O roteiro acerta ao não apontar saídas fáceis para os dramas apresentados; tal como na vida real, elas são apresentados como situações complexas diante das quais as resoluções possíveis são contempladas apenas á distância, envoltas em uma nuvem tão densa que precisa ser previamente transposta.


Peço agora a licença para reproduzir aqui um diálogo que considero um dos mais importantes da temporada, ele se dá entre um personagem até então secundário, a quem chamarei de interlocutor, e Paul, o terapeuta.

Interlocutor: Uma pessoa sempre está em terapia por algum motivo, mas ninguém discute quem é o médico, qual é a razão de estar ali e quanto custa. O mais engraçado é que os segredos, os mal-entendidos, que nunca são contados, são os principais motivos que levam alguém à terapia. Não é irônico?

Paul: Não acho que se trata de segredos, trata-se de criar um ambiente onde se possar estar e sentir-se seguro, para poder falar sobre qualquer coisa.

Interlocutor: Mais seguro do que com seus familiares? 

Paul: Às vezes é mais fácil falar com alguém com quem não se tenha vínculo, alguém objetivo, com quem não se corra risco nenhum.

Interlocutor: Como uma prostituta. A quem se paga pela intimidade e pela discrição. Um homem deve conversar com alguém que se preocupe com ele, não com alguém a quem se paga por horas...


O diálogo reproduzido acima sintetiza em pouquíssimas palavras a temática que a série aborda, ele resume não só o drama dos pacientes, mas também o do psicólogo e numa análise mais ampla até mesmo o drama característico do mundo contemporâneo, uma vez que todos seriam provocados em boa parte das vezes pelo distanciamento afetivo e pela falta de diálogo. 

Eu nunca fui a psicólogos ou fiz qualquer tipo de terapia (não que eu não tenha precisado), no entanto reconheço a importância da profissão, principalmente em um mundo no qual o poder do diálogo parece estar sendo gradativamente substituído pelo efeito dos ansiolíticos e antidepressivos; todavia ainda penso que numa situação ideal os psicólogos não deveriam ser necessários; como o 'interlocutor' diz no diálogo acima, a segurança deveria estar na família e nos amigos (o termo que ele usa no original não é 'family', mas 'loved ones', que é ainda mais abrangente, podendo ser traduzido como 'aqueles que o amam'), estes deveriam estar aptos para ouvirem quando necessário, sendo compreensivos e tolerantes, ou seja, deveriam fazer o que os terapeutas são pagos para fazerem. Contudo, há de se convir que isto não é nada fácil, nem na vida real, nem para os personagens de In Treatment...


A situação descrita acima é tão ideal quanto utópica, isto por diversos motivos, dentre os quais está o fato de não ser nem um pouco agradável ouvir sobre a dor alheia e muito menos sentir o que o outro sente; a série aborda esta questão através de um outro dilema vivido por Paul, o de se envolver ou não com o sofrimento de seus pacientes. No fundo ele parece saber que para um bom terapeuta não se envolver é praticamente impossível, vemos claramente o quanto a dor daqueles a quem ele tenta ajudar o deixa devastado e isso acontece porque ela o coloca em contato com seus próprios fantasmas. Ao tentar ajudar Amy e Jake ele tropeça em obstáculos parecidos com os que estão minando seu casamento e os problemas vividos por Sophie o faz se preocupar com a situação de sua filha, que tem a mesma idade da ginasta. 


Eu disse no início do texto que a trama desperta em nós expectadores algo próximo da compaixão, o que se dá por causa do fenômeno que comentei no parágrafo anterior, na verdade não temos pena dos personagens, eles são fictícios e sabemos disso, o compadecimento surge do fato de que as dores que eles sentem é capaz de nos remeter às nossas próprias e isso explica a intensidade com que alguns episódios me impactaram e explica também o insucesso da série dentre o grande público nos Estados Unidos, o que teria sido um dos motivos de seu cancelamento prematuro. Se não é agradável nos expor ao drama de personagens fictícios, imagina então a dificuldade de compreender e lidar com os problemas daqueles que estão á nossa volta, a série nos chama a atenção para este que é tão grave em uma época de egos inflados e de competições inescrupulosas.


A genialidade de In Treatment também se deve à maneira com que ela sustenta a profundidade de sua trama, mérito este que deve ser atribuído aos roteiristas, diretores, equipe técnica e principalmente aos atores. Todo o elenco, sem nenhuma exceção está assustadoramente formidável, os destaques ficam por conta da jovem Mia Wasikowska (Tim Burton a convidou para estrelar seu fraco Alice no País das Maravilhas depois vê-la nesta série) e da veterana Dianne Wiest. A Mia está simplesmente formidável em uma atuação intensa e cheia de verdade, ela transita por uma avalanche de sentimentos complexos e contraditórios em um piscar de olhos, feito que chegou a me deixar arrepiado em alguns episódios. Já a Dianne esbanja classe em um desempenho que prima pela sutileza, numa das passagens mais memoráveis desta primeira temporada sua personagem explica para Paul que, mesmo se tivesse a chance de escolher, ela reviveria de novo seu casamento, mesmo tendo que enfrentar cada um dos prolemas que enfrentou com seu já falecido esposo, uma sequência simplesmente sublime.


O aparato técnico ajuda a sustentar a profundidade dramática da série. Através da fotografia, dos figurinos e da direção de arte, as sensações e sentimentos dos personagens são destacados ou camuflados conforme a situação trabalhada em cada episódio. Deve-se prestar atenção na forma com que o contraste entre luz e sombra, os closes, a tonalidade das roupas e a disposição dos objetos cênicos são usados para demarcar o nível de distanciamento entre os personagens, os seus estados de espírito e a forma com que eles tentam se impor ou convencer alguém de algo, que por algum motivo eles não querem falar, ou que simplesmente não precisa ser falado. 

Para que In Treatment seja apreciada em sua plenitude se faz necessária uma leitura nas entrelinhas e um mergulho em cada sessão terapêutica que ela retrata. Corre-se o risco de não sair ileso deste mergulho, confesso que a série me levou à algumas reflexões realmente contundentes, dentre elas algumas que eu preferia não ter feito, mas isso só ajuda a reforçar a riqueza de seu roteiro, que é capaz de nos conduzir a um passeio pelo lado mais obscuro de nossa própria mente... Ultra recomendado!


A primeira temporada de In Treatment ganhou o Emmy de Melhor Atriz Coadjuvante em uma Série de Drama (Dianne Wiest ) e Melhor Ator Convidado em uma Série de Drama (Glynn Turman), naquele ano a série  também foi indicada aos prêmios de Melhor Ator em uma Série de Drama (Gabriel Byrne) e Melhor Fotografia em um Série de 'Meia Hora'.


Assistam ao trailer da primeira temporada de In Treatment no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,

A versão brasileira da série, intitulada Sessão de Terapia, dirigida pelo Selton Mello, estreará em outubro no canal GNT.