.Era ainda o segundo semestre do primeiro ano de faculdade, ainda nutríamos a ilusão de seríamos algo mais que meros reprodutores de mensagem guiados por editores e donos de jornais comprometidos com interesses alheios. Neste período cursávamos a disciplina de antropologia cultural, as disciplinas de basa do curso, como esta, reforçavam em mim o gosto pela comunicação como ciência social, já de início eu começava a perder o gosto pelo jornalismo. Foi para esta disciplina que foi pedido uma atividade extra-classe que me encheu os olhos... deveríamos fazer um “etnografia”, baseada na observação de um grupo, de uma “tribo” ou de como as pessoas se comportam em determinada situação.
Minha primeira idéia foi de acompanhar um velório de um desconhecido (por nós) na capela municipal... Já era um pouco tarde quando percebemos (o trabalho seria realizado em dupla) que a disponibilidade de tempo e a imprevisibilidade do evento relacionado oa tema impediria o intento. Uma outra colega, com intuitos evangelísticos, nos convidou para um evento em sua igreja, nesta ocasião eu já estava sensibilizado por muita coisa que dizia respeito à essência da fé cristã... juntamos o útil ao agradável... No dia do evento partimos para a cidade vizinha onde tudo aconteceria. Vale ressaltar que o trabalho seria um fiasco. Eu não consegui manter o distanciamento necessário, tudo aquilo já tinha me cativado, o outro colega já trazia alguns conceitos pré-estabelecidos que também dificultariam a observação...
Definitivamente não conseguiríamos fazer um trabalho de qualidade como esperávamos, mas para os padrões da faculdade o que entregamos mereceu 23 pontos em 25. O ano letiva na faculdade acabou, mas minha relação com a igreja só estava começando. A partir daí muita coisa em minha vida também mudaria, o contato com novas pessoas e com uma nova visão, tanto no meio acadêmico quanto na igreja me libertariam de antigos pré-conceitos e abririam meus olhos para muitas possibilidades, que até então eu não havia contemplado. Depois disso o movimento punk, que embalara meus últimos anos, foi ficando pequeno demais. Eu queria me expandir, ir além... fiz concursos e acabei me tornando bancário...
O tempo passou, o curso superior de jornalismo foi concluído com um “q” de arrependimento. Definitivamente eu não me identificaria com uma rotina de redação de jornal de interior, tão pouco com a de um dos “jornalões”. Meu interesse começou já no final do curso a se voltar para a comunicação empresarial. Este acabou sendo o tema de meu trabalho de conclusão de curso que também ficou bem aquém do que eu pretendia, principalmente pela desmotivação que se abateu sobre mim e pela péssima orientação que recebi (ou que deixei de receber) durante o processo de conclusão.
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Foi neste contexto que envolvia o tumultuado último semestre da faculdade e uma fase de intensa ansiedade, que decidi eliminar pela raiz alguns de meus fatores de estresse. É este o momento em que coloco em prática a teoria etnográfica que deveria ter usado lá no já longinquo ano de 2006, como citei no princípio deste texto. Desta vez não cometeria o mesmo erro, eu precisaria ter distanciamento, para não comprometer minha observação. Sabia que não seria fácil pois a situação a ser analisada era minha própria vida com toda sua complicação. Começava ai mais um processo dialético, eu criei minha própria antítese.
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O primeiro tópico a ser analisado/questionado, seria, talvez por ironia do destino, minha relação com a igreja, tive que tomar coragem para isso, pois ao mesmo tempo que me parecia necessário, também me parecia uma questão de fé, era como se eu tivesse colocando minha relação com Deus em cheque, isso me assustava, neste período eu me distanciei da igreja como instituição, me tornei menos frequente nos cultos por quase 2 meses. O afastamento possibilitaria repensar as experiências vividas em quase 3 anos. Assim pude perceber que em grande parte a minha angústia vinha de tentar ser o mais parecido com um determinado modelo e de tentar sem sucesso me enquadrar em um padrão de vida com o qual eu pouco me identificava.
Percebi que eu tentava fazer coisas pra agradar a Deus, quando isso, todo cristão, deveria saber é algo totalmente impossível, pela nossa total imperfeição, na condição de meros humanos. Não pretendo entrar neste texto em questões teológicas, talvez em um próximo, mas biblicamente o que nos torna aceitáveis diante de Deus é o sacrifício feito por Jesus na cruz e não nossos próprios atos. Isso parece fácil de assimilar, mas não o é, pois sempre queremos sentir que estamos no controlo, quando quem realmente deveria estar é Deus. A minha observação da vida na igreja como instituição me levou a algumas conclusões, que listarei a seguir.
Percebi que o medo de não agradar a Deus tem levado muita gente a negar seus próprios sentimentos e a não se abrir com pessoas ao seu redor, na maioria das vezes por medo que o outro conclua que o sofrimento descrito seja indício de uma vida em pecado ou em desconformidade com as normas e preceitos da instituição;
As pessoas se tornam superficiais pois não são o que realmente são, e se envolvem em um conjunto de aparências que visam provar aos demais o quanto se é espiritual. Os comprimentos na chegada e ao final de cada culto são exemplo claro disso. Salda-se não por se ter uma boa relação com a outra pessoa mas pelo pedido do pastor que geralmente diz: “abrace pelo menos x pessoas antes de sair”, todos estes ritos, acabam tornando o ambiente familiar e agradável à primeira vista, mas com o tempo tudo se torna demasiadamente robotizado, e em dado momento a necessidade de relacionamento verdadeiro fala mais alto;
A igreja, como instituição muitas vezes reproduz a ética do sistema vigente, no que diz respeito à sua estrutura e à busca pela realização material e social, o que motiva muitos de seus membros. A busca incessante por metas, objetivos materiais e santidade, seria a principal causa da quantidade e casos de pessoas se sentindo não realizadas e até com depressão e outras doenças psicológicas dentro da igreja;
A ética da vitória e do triunfalismo também têm sido equívocos das instituições religiosas, prega-se, na maioria das vezes para ganhar fiéis, a idéia de que a vida à luz do evangelho é uma vida sem problemas ou dificuldades, quando na verdade a “vida nova” oferecida pelo evangelho vai muito além de nossas mazelas e nossas vaidades. Entende-se Jesus como uma espécie de “seguro” que garante o sucesso de nossos planos pessoais, profissionais e espirituais;
A noção de certo e errado e tolerável e intolerável ira mudar de instituição para instituição. Existirão congregações onde os homens só usam calças, outras onde vícios são tolerados, aquelas que condenam televisão e outras que compram canais. Os princípios adotados por cada “igreja” são acatados tendo em vista o tipo de público que se quer atingir, segmentação. Entretanto cada uma denominação terá algo pra condenar e um inimigo palpável e visível a quem apontar, enquanto uma repudia certo grupo outras os aceita mas repudia os demais;
A pior conclusão a que cheguei é a de que tais fenômenos observados acabam distanciando as pessoas de Deus e de Seu amor Verdadeiro. E esta aproximação, na verdade, é a única coisa da qual precisamos... Só o que devemos fazer é confiar Nele, pois como diz a palavra “o mais Ele fará”. É Ele quem nos transforma, é Ele quem nos conduz e não nossa vontade... Mas às vezes é tão difícil compreender a Graça, e só por isso sofremos tanto....
Sinto que desta vez, apesar de ainda não tê-lo concluído, o trabalho me trouxe uma grande satisfação, pois sinto que ele foi permitido por Deus apenas para que eu possa reconhecer o Seu Amor infinito, incondicionalmente. Independente se estou frequente nos cultos, ou se tenho um ministério bem sucedido aos olhos das pessoas, Jesus será sempre o mesmo e Seu amor por mim, terá a mesma intensidade. Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas... Estou saindo do controle...
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