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sábado, 3 de janeiro de 2015

Um breve, porém intenso, mergulho no cinema argentino!


Não foi algo planejado. Eu estava à procura do filme Relatos Selvagens (2014- coprodução entre Argentina e Espanha, escrita e dirigida pelo Damián Szifron, produzida pelo Almodóvar e com nomes como Ricardo Darín, Darío Grandinetti e Leonardo Sbaraglia no elenco - e, depois de algumas tentativas frustradas desisti de encontrá-lo, foi então que veio a ideia de colocar em dia, ao menos em parte, a enorme dívida que tenho com o cinema argentino. Minha intenção inicial era assistir a dez filmes, acabou sendo nove, pois não consegui encontrar legenda compatível para um deles. A maioria dos filmes assistidos foram lançados no início da década passada, o que não foi intencional, daria para fazer um passeio semelhante passando apenas por obras mais recentes. Esta seleção, no entanto, acabou sendo um reflexo daquele que foi um dos períodos mais prolíferos da cinematografia no país, o auge do 'movimento', surgido na década de 90, que ficou conhecido como Novo Cinema Argentino. 

Durante esta pequena maratona foi quase inevitável não fazer comparações entre o cinema argentino e o nosso. No tocante à qualidade das obras, acredito que temos uma produção tão prolífera e boa quanto a deles. A diferença está, não no processo artístico/criativo, mas no mercadológico. Os hermanos têm conseguido contornar problemas nos quais ainda tropeçamos, boa parte deles relacionado ao financiamento público da produção (geralmente feito através de políticas de incentivo) e à distribuição. A impressão que se tem é a de que os filmes de lá não visam apenas o mercado interno (diferente de boa parte daquilo que é produzido hoje no Brasil) e as melhores obras não ficam restritas apenas ao circuíto de mostras e festivais, como ainda acontece por aqui, o que indica que a industria cinematográfica se encontra em estágios de maturidade diferentes nos dois países. [Pretendo voltar à estas questões em um post específico]. 

Recomendo esta breve maratona para todos! Para iniciá-la, dispa-se da rivalidade tola que fora alimentada durante muito tempo entre os dois países, abra a sua alma e se permita ser impactado por ótimas produções de diferentes gêneros, com propostas diferentes, mas pertencentes a um todo, que daria orgulho a qualquer país! Abaixo seguem breves considerações sobre cada um dos filmes assistidos: 


Minha modesta maratona, que durou uma semana, foi iniciada com O Filho da Noiva (2001), uma pequena obra-prima de Juan José Campanella. O filme, que é o segundo da fruto da longeva e bem sucedida parceria do diretor com o ator Ricardo Darín, tem em sua composição dois dos grandes trunfos do cinema produzido pelos hermanos: a sensibilidade e a universalidade. No centro da história está Rafael (Darín), ele se formou em direito, mas acabou assumindo o restaurante do pai por não ter alcançado sucesso na carreira de advogado. Sobrecarregado por afazeres e responsabilidades,  ele ainda precisa lidar com problemas e conflitos familiares. A pressão é enorme, ele tenta segurar as pontas mas não resiste, o preço a ser pago vem na forma de um infarto, que o deixa por vários dias na UTI, período no qual ele se vê imersos em reflexões forçadas sobre a sua vida e as escolhas que fez. A oportunidade de Rafael encontrar alguma paz interior vem quando o seu pai, Nino (Héctor Alterio), anuncia que quer finalmente se casar na igreja com a sua mãe, Norma (Norma Aleandro); uma proposta ousada devido a um pequeno problema, Norma tem perda de memória, provocada pelo mal de alzheimer, e é incapaz de responder pelos seus atos. O desenrolar da história é uma verdadeira ode ao amor e à valorização dos pequenos prazeres. 


O segundo filme da maratona foi Nove Rainhas (2000), longa dirigido por Fabián Bielinsky, também protagonizado por Ricardo Darín. No centro de sua trama estão dois trapaceiros profissionais, Marcos (Darín) e Juan (Gastón Pauls), eles se conhecem quase que por acaso e decidem 'trabalhar' juntos por um dia. É justo neste dia que surge a oportunidade de aplicar um golpe milionário, que envolve a réplica de uma série de selos raros e um perigoso colecionador que está hospedado na cidade. A fluidez da narrativa, os diálogos afiados e as ótimas atuações dos protagonistas dão ao filme um diferencial que o distancia da grande maioria das obras do gênero que são realizadas atualmente. O último ato, que não comentarei pelo risco de entregar algum spoiler, só confirma aquilo que os primeiros já indicavam, trata-se de uma grande obra, que soube aproveitar da melhor forma possível uma boa história, sem para tal precisar recorrer a malabarismos técnicos e a firulas estilísticas desnecessárias. 


O filme seguinte foi Plata Quemada (2000), triller de Marcelo Piñeyro, baseado em fatos reais, que retrata a fuga de uma quadrilha de bandidos, que vão para o Uruguai após assaltarem um carro forte. O assalto não acontecera conforme o planejado e os dois policiais que estavam  veículo acabaram sendo mortos pelos bandidos. Movida pelo desejo de vingar a morte dos dois militares, a polícia local dá início à uma investigação para descobrir o paradeiro da quadrilha. Os próprios assaltantes reconhecem que é uma questão de tempo até que o local em que se refugiaram seja descoberto, no entanto eles decidem permanecer até que um aliado no Uruguai consiga documentos falsos para eles virem pra o Brasil. A trama é protagonizada por dois dos assaltantes, El Nene (Leonardo Sbaraglia ) e Ángel (Eduardo Noriega ), conhecidos no meio como 'os gêmeos'; apesar desta alcunha eles são bem diferentes um do outro, El Nene é racional e se porta como o cabeça do grupo, enquanto que Ángel se deixa guiar mais facilmente pela emoção, sendo movido frequentemente pela culpa que sente por ser um fora da lei e por manter um relacionamento homoafetivo com El Nene. A narrativa desenvolve de maneira muito satisfatórias os seus dois viés, o romântico/erótico, sustentado pelo relacionamento entre os dois personagens e o suspense, que coloca o filme em uma tensão sempre crescente, que se torna angustiante com a aproximação do último ato.


O quarto filme da maratona foi Lugares Comuns (2002), drama dirigido por Adolfo Aristarain que conta a história de um professor de literatura, já idoso, que é aposentado compulsoriamente devido às ideias que defende em sala de aula. Com o país passando por uma grave crise econômica, Fernando Robles (Federico Luppi), o protagonista, se vê obrigado a vender a casa em que mora e a pegar como parte do pagamento uma propriedade rural para onde se muda. O desenrolar da trama retrata o processo de adaptação do professor à nova vida, processo este que é retratado com uma singeleza enorme, que chama atenção não só pela tentativa do personagem de vencer suas limitações, mas também pela forma com que as suas ideias, quando postas em prática na história, acabam nos impactando. No último ato o filme perde um pouco de sua unidade, à partir de dado momento da narrativa ele abandona alguns dos conflitos que tinham sustentado a narrativa até então para se apegar a outros. Isso faz com que o desfecho soe um tanto forçado, como se tivesse sido construído de tal forma apenas para despertar no público algum tipo de comoção. Todavia, o filme continua acima da média e sendo uma boa pedida para quem valoriza atrativos que dificilmente seriam encontrados no cinema comercial. 


A História Oficial (1985) foi o próximo a ser assistido. Dirigido por Luis Puenzo, ele foi o primeiro filme latino-americano a ganhar o Oscar na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira. É sem dúvidas uma obra-prima, grandiosa em todos os aspectos: Roteiro, atuações (Norma Aleandro está sublime), fotografia, direção de arte, trilha sonora... Todavia, creio que o seu maior trunfo foi ter levado para a tela grande a discussão sobre um tema tão polêmico, tão recente na época, que ainda era uma ferida aberta na história da Argentina. Em sua trama, Alicia (vivida pela Norma) é uma professora de história que preza pela disciplina e pela ordem. Ela não percebe que o rigor de suas posições e a unilateralidade de sua visão sobre aquilo que ensina a têm distanciado da história real de seu país. Alienada das questões políticas e sociais ela se recusa a enxergar a cruel realidade que a ditadura militar representava. No entanto, a suspeita de que a menina, que adotara ainda bebê, possa ser filha de militantes políticos mortos pelo regime, começa mudar a visão que até então ela tinha. Como pano de fundo, o filme retrata a luta da Mães da Praça de Maio, mulheres que se uniram para lutar e reivindicar notícias sobre seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar. 


O sexto filme da maratona foi outra obra de Juan José Campanella, O Mesmo Amor, a Mesma Chuva (1998), o primeiro fruto da parceria dele com Ricardo Darín. A trama acompanha o relacionamento entre os dois protagonistas, Jorge Pellegrini (Ricardo Darín) e Laura (Soledad Villamil), durante 20 anos, retratando as crises, os términos, os longos períodos de separação e também os bons momentos, que foi o que manteve uma centelha do sentimento inicial acesa por tanto tempo. Sem os clichês do cinema mainstrean, a narrativa nos apresenta a personagens complexos, dotados de vícios e virtudes, que muitas vezes erram tentando acertar e por isso acabam colocando em risco aquilo que têm de mais importante. Em uma análise mais ampla, eu diria que a história de amor contada funciona como uma metáfora daquilo que o país vivia em cada um dos períodos retratados; começa com a utopia, passa pela esperança (representada na esfera social pela abertura política) e por diversas crises, até chegar à uma espécie de maturidade, onde os problemas ainda não estão todos resolvidos, mas há a sabedoria que impede que erros do passado voltem a ser cometidos.


O sétimo da lista foi Um Conto Chinês (2011), filme dirigido por Sebastián Borensztein, que também traz Ricardo Darín no papel principal. Com sua trama construída sobre a ideia de que talvez exista um porquê associado a questões atribuídas ao acaso, o longa direciona o foco de sua narrativa para a vida monótona de Roberto (vivido por Darín), um homem ranzinza, mas de bom coração, que não faz nada além de administrar sua loja de ferragens. A rotina de Roberto muda completamente depois que seu caminho se cruza por acaso (será mesmo?) com o de Jun (Ignacio Huang), um jovem chinês que fora para a Argentina em busca de um tio com quem nunca teve qualquer tipo de contato. Sem saber uma palavra em Espanhol e sem ter lugar para ficar, Jun acaba sendo acolhido por Roberto. A chegada do rapaz mexe com o pacato comerciante e sutilmente muda a forma com que ele enxerga a si mesmo e o mundo à sua volta. Ao observar o rapaz, Roberto descobre que tem tanta dificuldade de se comunicar como ele, talvez venha daí a empatia que surge entre os dois, sentimento este que impactará a vida de ambos. 


Abraço Partido (2004) de Daniel Burman, o penúltimo filme da maratona, tem como pano de fundo a crise econômica que assolou a Argentina, sua história passa-se quase que totalmente no interior de uma galeria comercial, onde Ariel Makaroff (Daniel Hendler), o protagonista, trabalha. Ariel tenta tirar dupla cidadania (ele é descendente de poloneses) para conseguir finalmente deixar a Argentina e se mudar para a Europa. No entanto, o galho da árvore genealógica que pode o favorecer em sua tentativa de ter a cidadania polonesa aprovada, é o mesmo que o conduz à uma série de dúvidas sobre o seu passado. Seu pai, um judeu idealista, deixara a família pouco tempo depois dele nascer para se alistar no exército de Israel. A recusa da mãe e do irmão mais velho de tocar no assunto indica que pode haver algo que Ariel não sabe. O desenvolvimento da trama retrata a busca do jovem por informações que expliquem o fato do pai não ter voltado e o relacionamento dele com o que sobrou de sua família e com as outras pessoas que também trabalham na mesma galeria. O bom ritmo, a maneira com que diversas sub-tramas são costuradas e a ótima atuação de Hendler ajudam a tornar esta uma grande obra, digna de estar entre as melhores do Novo Cinema Argentino.


Crônica de uma Fuga (2006), dirigido por Adrián Caetano, o último da maratona, é baseado em fatos reais e tem sua trama ambientada durante o período em que a Argentina esteve sob uma ditadura militar. Claudio Tamburrini (Rodrigo de la Serna), o goleiro de um time argentino da segunda divisão, é sequestrado por agentes do governo e levado para uma antiga mansão, usada como campo de detenção e tortura. Lá um grupo de jovens é mantido em cativeiro e submetido a diversos tipos de tortura, métodos estes que são usados para arrancar deles confissões e dados sobre operações suspeitas e outros envolvidos com a militância política de esquerda. Claudio, que não tinha nenhum envolvimento com questões desta natureza, arquiteta junto com outros sequestrados um plano de fuga, que se torna uma última esperança para o grupo, que teme a pena mais alta aplicada pelo tribunal clandestino: a morte. O filme consegue retratar com realismo a angústia e o sofrimento vivenciado no local. A tensão criada pela trama chega a se tornar quase insuportável em alguns momentos. Trata-se, sem dúvidas, de uma grande obra, cujo valor transcende as questões meramente técnicas, é o tipo de história que precisa ser contada para que os erros do passado não voltem a ser cometidos. 

8 comentários:

  1. Parabéns pela postagem.

    Mesmo com o cinema brasileiro crescendo bastante e com uma grande quantidade de produções, o cinema argentina ainda está degraus acima em qualidade.

    Da ótima lista que você cita, eu não gostei apenas de "Plata Quemada".

    Abraço

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    1. Não acho que esteja tão à nossa frente em qualidade, o nosso grande problema é a distribuição, nossas melhores obras ainda ficam restritas ao pequeno circuíto de mostras e festivais.

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  2. te falto EL SECRETO DE SUS OJOS.

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    1. Faltou não, olha ele aí: http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2012/07/o-segredo-dos-seus-olhos.html

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  3. Bruninho,
    trabalho maravilhoso você fez por aqui! Estou, sinceramente, emocionada, está é a palavra! Pois, ao ler as tuas breves resenhas, (re)assisti a todos os filmes que já assisti, (apenas dois destes eu ainda não vi, curiosamente, os dois últimos). E tenho mais a recomendar, talvez você já tenha assistido, os dois com o Darín - meu ídolo-ator :) : Elefante blanco y Luna sobre Alvellaneda. E uma observação: gosto muito da atriz Soledad Villanil, e muito boa a química dos dois.
    Mas tu tem que ver Relatos Selvagens!!! (tenta!)

    Tenho tanto a dizer por aqui que não vou mais escrever, senão ficarei até amanhã escrevendo :) mas na essência: concordo com as tuas obervações a respeito do cinema nacional x cinema argentino. Mas creio que os roteiros dos filmes argentinos são excepcionais, em sua maioria, e mais surpreendentes. Isso, falo de uma forma geral. Também o cinema nacional tem se fixado, e muito, nas figuras globais, quando se sabe que existem ótimos atores fora do circuito TV que poderiam ser explorados. Quando assisto a um filme nacional, sempre me dá a impressão que estou vendo telenovelas, coisa que não faço desde 1987 :) Um padrão Globo, em especial, nos filmes de comédia que em muito lembram as produções para TV dessa emissora.
    São apenas minhas singelas impressões.

    Norma Leandro é uma das melhores atrizes que já vi em cena em filmes, nos faz rir e chorar na mesma cena...

    Beijos e parabéns pela postagem!
    Se a minha internet ajudar, vou compartilhar com todo o gosto lá no faceb.!

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  4. Um dos melhores filmes, foi definitivamente uma história que eu gostava de ver porque era ator Leonardo Sbaraglia. Sigi agora vê-la na nova serie 2015 : "O Mesmer", onde ele é o protagonista da mesma, uma estreia este ano já está provando popular.

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