Aqui é o Meu Lugar (This Must Be the Place) - 2011. Dirigido por Paolo Sorrentino. Escrito por Paolo Sorrentino e Umberto Contarello. Direção de Fotografia de Luca Bigazzi. Música Original de David Byrne e Will Oldham. Produzido por Francesca Cima, Nicola Giuliano, Andrea Occhipinti e Mario Spedaletti. Indigo Film, Lucky Red e Medusa Film / Itália | França | Irlanda.
O roteiro de Aqui é o Meu Lugar é no mínimo estranho, ele gira em torno de um personagem nada convencional, que vive situações um tanto inusitadas; Cheyenne (Sean Penn) é um ex-membro de uma banda de dark wave que vive preso pela culpa em reminiscências e amarguras de seu passado. Ele traz consigo visíveis sequelas dos abusos e excessos que ele praticou durante muito tempo, sua fala é arrastada e seus movimentos são lentos. Devido a algo que acontecera há mais de vinte anos ele parou de tocar e se refugiou em Dublin na Irlanda, levando a partir de então uma vida um tanto convencional ao lado da esposa, Jane (Frances McDormand), uma militar do corpo de bombeiros, com quem está casado a mais de 35 anos. Ele ocupa seu tempo acompanhando o mercado de ações, em outros momentos ele pratica um esporte bizarro dentro de uma piscina vazia, faz compras e pequenos afazeres domésticos ou sai na companhia de uma jovem amiga. Estranhamente ele ainda mantém o mesmo visual que adotara em sua juventude, nos tempos de atividade de sua antiga banda.
A história é à princípio cheia de pequenos mistérios, que envolvem o próprio Cheyenne e os outros personagens que estão à sua volta, a trama vai se desenrolando lentamente e apenas depois de mais de meia hora de duração nos é apresentado aquele que será o mote do filme. Cheyenne recebe um telefonema dos Estados Unidos informando sobre o estado de saúde de seu pai, que ele não via há muitos anos, ele então decide deixar alguns assuntos inacabados na Irlanda e partir sozinho para o outro lado do Atlântico. Ao chegar em solo norte americano ele descobre que o pai acabara de falecer e que ele deixara uma questão pendente, uma fixação que o acompanhara até o fim de sua vida: encontrar o soldado nazista que teria o torturado em um campo de concentração. Acreditando que com isso irá conseguir fazer as pazes com a memória do pai, o ex-roqueiro dá continuidade às investigações para encontrar o torturador, que ao que tudo indicava, vivia tranquilamente em algum lugar dos Estados Unidos.
A busca de Cheyenne, que o leva a diversas cidades americanas, transformam o longa em um road movie e como é comum em filmes deste gênero o personagem irá viver experiências que o transformarão durante a viagem. Com uma sensibilidade tocante o filme fala de preconceito, de perdão e de perseverança, sem para isso precisar recorrer às já saturadas fórmulas melodramáticas. De uma forma muito interessante o roteiro encaixa o personagem central em meio à uma série de conflitos, no entanto, o foco permanece nele, o que faz com que alguns dos outros pequenos dilemas sejam deixados de lado á medida que a história avança; isto pode ser apontado como um defeito do roteiro, mas não é, afinal não necessariamente a trama precisa anunciar uma resolução para tudo e quem esperar por isto certamente irá deixar de aproveitar alguns dos melhores aspectos do filme.
Um ponto que merece destaque é uma pequena metáfora, que provavelmente passará despercebida para a maioria dos espectadores, criada em torno da mala de rodinhas que o personagem leva consigo em todos os lugares para onde ele vai, dentro dela ele leva as coisas que não quis deixar para trás; sem querer forçar muito uma interpretção, entendo que estas coisas seriam uma analogia ao passado dele e às situações que ele não conseguiu superar, mesmo depois de mais de 20 anos... As abordagens referentes ao preconceito estão presentes em todo o filme, seja através através das pessoas que se assustam com o visual do ex-músico nas ruas, da discriminação sofrida e praticada pelos judeus da família dele, da garota que não quer se relacionar com um rapaz por ele ser "normal" demais e até através da forma com que nós expectadores enxergamos a história, o entranhamento que sentimos diante de algumas sequências é um simples indicativo de que nós também não estamos tão alheios às ideias preconcebidas.
Como já era de se esperar, a atuação de Sean Penn é o grande destaque do filme, a composição de seu personagem nos remete de imediato a diversos nomes do rock, dentre eles Robert Smith (pelo visual) e Ozzy Osbourne (pela debilidade física) e sua atuação é tão cheia de sutilezas que consegue nos fazer simpatizar pelo seu personagem, mesmo ele sendo tão estranho. No elenco ainda tem grandes atores como Judd Hirsch, Harry Dean Stanton e a excelente Frances McDormand, todos com desempenhos notáveis. As curiosidades no entanto são a participação da atriz Eve Hewson, filha do Bono do U2, que interpreta uma amiga de Cheyenne e a ponta feita por David Byrne, um dos fundadores do Talking Heads (banda que compôs a música que dá título ao filme) e co-compositor da trilha sonora do longa, ele interpreta a si mesmo em uma das sequências.
Tecnicamente o filme possui alguns aspectos negativos, que foram destacados por boa parte da crítica especializada, como o abuso de alguns recursos de filmagem e a repetição desnecessária de alguns movimentos de câmera, no entanto são apenas detalhes, que não miniminizam a melhor qualidade do filme, que é a sensibilidade de sua história. Aqui é o Meu Lugar destoa bastante das grandes produções do cinema americano pelo seu não convencionalismo, ele nos mostra que, apesar de seu elenco basicamente hollywoodiano, ele é um filme europeu (uma co-produção entre Itália, França e Irlanda), que veio não tão somente para acumular cifras de bilheteria... Apesar de algumas irregularidades, ele é uma boa comédia dramática, que merece ser conferida, ainda que seja inicialmente só pela curiosidade que ele é capaz de despertar. Ao assisti-lo, baixe a guarda e simplesmente permita que ele lhe cative... Recomendo!
Aqui é o Meu Lugar ganhou o Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Cannes, honraria concedida a obras que simbolizam a dignidade. O Juri Ecumênico é composto por jornalistas, críticos e cineastas de diversas partes do mundo, sendo eles geralmente membros de igrejas e entidades cristãs.
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,