N° de acessos:

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Aqui é o Meu Lugar

Aqui é o Meu Lugar (This Must Be the Place) - 2011. Dirigido por Paolo Sorrentino. Escrito por Paolo Sorrentino e Umberto Contarello. Direção de Fotografia de Luca Bigazzi. Música Original de David Byrne e Will Oldham. Produzido por Francesca Cima, Nicola Giuliano, Andrea Occhipinti e Mario Spedaletti. Indigo Film, Lucky Red e Medusa Film / Itália | França | Irlanda.


O roteiro de Aqui é o Meu Lugar é no mínimo estranho, ele gira em torno de um personagem nada convencional, que vive situações um tanto inusitadas; Cheyenne (Sean Penn) é um ex-membro de uma banda de dark wave que vive preso pela culpa em reminiscências e amarguras de seu passado. Ele traz consigo visíveis sequelas dos abusos e excessos que ele praticou durante muito tempo, sua fala é arrastada e seus movimentos são lentos. Devido a algo que acontecera há mais de vinte anos ele parou de tocar e se refugiou em Dublin na Irlanda, levando a partir de então uma vida um tanto convencional ao lado da esposa, Jane (Frances McDormand), uma militar do corpo de bombeiros, com quem está casado a mais de 35 anos. Ele ocupa seu tempo acompanhando o mercado de ações, em outros momentos ele pratica um esporte bizarro dentro de uma piscina vazia, faz compras e pequenos afazeres domésticos ou sai na companhia de uma jovem amiga. Estranhamente ele ainda mantém o mesmo visual que adotara em sua juventude, nos tempos de atividade de sua antiga banda. 

A história é à princípio cheia de pequenos mistérios, que envolvem o próprio Cheyenne e os outros personagens que estão à sua volta, a trama vai se desenrolando lentamente e apenas depois de mais de meia hora de duração nos é apresentado aquele que será o mote do filme. Cheyenne recebe um telefonema dos Estados Unidos informando sobre o estado de saúde de seu pai, que ele não via há muitos anos, ele então decide deixar alguns assuntos inacabados na Irlanda e partir sozinho para o outro lado do Atlântico. Ao chegar em solo norte americano ele descobre que o pai acabara de falecer e que ele deixara uma questão pendente, uma fixação que o acompanhara até o fim de sua vida: encontrar o soldado nazista que teria o torturado em um campo de concentração. Acreditando que com isso irá conseguir fazer as pazes com a memória do pai, o ex-roqueiro dá continuidade às investigações para encontrar o torturador, que ao que tudo indicava, vivia tranquilamente em algum lugar dos Estados Unidos.


A busca de Cheyenne, que o leva a diversas cidades americanas, transformam o longa em um road movie e como é comum em filmes deste gênero o personagem irá viver experiências que o transformarão durante a viagem. Com uma sensibilidade tocante o filme fala de preconceito, de perdão e de perseverança, sem para isso precisar recorrer às já saturadas fórmulas melodramáticas. De uma forma muito interessante o roteiro encaixa o personagem central em meio à uma série de conflitos, no entanto, o foco permanece nele, o que faz com que alguns dos outros pequenos dilemas sejam deixados de lado á medida que a história avança; isto pode ser apontado como um defeito do roteiro, mas não é, afinal não necessariamente a trama precisa anunciar uma resolução para tudo e quem esperar por isto certamente irá deixar de aproveitar alguns dos melhores aspectos do filme.


Um ponto que merece destaque é uma pequena metáfora, que provavelmente passará despercebida para a maioria dos espectadores, criada em torno da mala de rodinhas que o personagem leva consigo em todos os lugares para onde ele vai, dentro dela ele leva as coisas que não quis deixar para trás; sem querer forçar muito uma interpretção, entendo que estas coisas seriam uma analogia ao passado dele e às situações que ele não conseguiu superar, mesmo depois de mais de 20 anos... As abordagens referentes ao preconceito estão presentes em todo o filme, seja através através das pessoas que se assustam com o visual do ex-músico nas ruas, da discriminação sofrida e praticada pelos judeus da família dele, da garota que não quer se relacionar com um rapaz por ele ser "normal" demais e até através da forma com que nós expectadores enxergamos a história, o entranhamento que sentimos diante de algumas sequências é um simples indicativo de que nós também não estamos tão alheios às ideias preconcebidas. 


Como já era de se esperar, a atuação de Sean Penn é o grande destaque do filme, a composição de seu personagem nos remete de imediato a diversos nomes do rock, dentre eles Robert Smith (pelo visual) e Ozzy Osbourne (pela debilidade física) e sua atuação é tão cheia de sutilezas que consegue nos fazer simpatizar pelo seu personagem, mesmo ele sendo tão estranho. No elenco ainda tem grandes atores como Judd Hirsch, Harry Dean Stanton e a excelente Frances McDormand, todos com desempenhos notáveis. As curiosidades no entanto são a participação da atriz Eve Hewson, filha do Bono do U2, que interpreta uma amiga de  Cheyenne e a ponta feita por David Byrne, um dos fundadores do Talking Heads (banda que compôs a música que dá título ao filme) e co-compositor da trilha sonora do longa, ele interpreta a si mesmo em uma das sequências. 


Tecnicamente o filme possui alguns aspectos negativos, que foram destacados por boa parte da crítica especializada, como o abuso de alguns recursos de filmagem e a repetição desnecessária de alguns movimentos de câmera, no entanto são apenas detalhes, que não miniminizam a melhor qualidade do filme, que é a sensibilidade de sua história. Aqui é o Meu Lugar destoa bastante das grandes produções do cinema americano pelo seu não convencionalismo, ele nos mostra que, apesar de seu elenco basicamente hollywoodiano, ele é um filme europeu (uma co-produção entre Itália, França e Irlanda), que veio não tão somente para acumular cifras de bilheteria... Apesar de algumas irregularidades, ele é uma boa comédia dramática, que merece ser conferida, ainda que seja inicialmente só pela curiosidade que ele é capaz de despertar. Ao assisti-lo, baixe a guarda e simplesmente permita que ele lhe cative... Recomendo!


Aqui é o Meu Lugar ganhou o Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Cannes, honraria concedida a obras que simbolizam a dignidade. O Juri Ecumênico é composto por jornalistas, críticos e cineastas de diversas partes do mundo, sendo eles geralmente membros de igrejas e entidades cristãs.

Assistam ao trailer de Aqui é o Meu Lugar no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,


segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Deserto Vermelho

O Deserto Vermelho (Il Deserto Rosso) - 1964. Dirigido por Michelangelo Antonioni. Escrito por Michelangelo Antonioni e Tonino Guerra. Direção de Fotografia de Carlo Di Palma. Música Original de Giovanni Fusco e Vittorio Gelmetti. Produzido por Tonino Cervi. Film Duemila e Federiz  / Itália | França.


Michelangelo Antonioni fez parte de uma geração que revolucionou a forma de fazer e de pensar cinema nas décadas de 50 e 60, seus filmes possuem uma forte marca autoral e trazem consigo a profundidade das  reflexões filosóficas e sociológicas ensaiadas pelo cineasta. Em sua juventude, Antonioni já integrava os círculos intelectuais de onde sairiam nomes seminais da literatura italiana da segunda metade do século passado, o interesse dele pelas artes o levou a se aproximar do teatro e da crítica cinematográfica. À princípio, o teor de seus escritos, como crítico de cinema, e as abordagens de alguns de seus primeiros curta-metragens o aproximaram do movimento neorrealista, que tinha como principais nomes, Roberto Rosselini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti, no entanto em sua maturidade artística Antonioni se distanciaria desta escola, ele direcionaria seu foco narrativo, não para as questões sociais, mas para para os dilemas e angústias pessoais enfrentados por cada indivíduo. O cunho marxista de sua obra se manifestaria não no embate entre as classes sociais, mas no posicionamento do indivíduo frente à sociedade capitalista industrial, que o tornava impotente e alheio à sua própria vida.

Em O Deserto Vermelho (1964), seu primeiro filme fotografado em cores, Antonioni retoma a temática que caracterizara seus três primeiros longas, que ficaram conhecidos como a "trilogia da incomunicabilidade", nele é abordada a angústia existencial e a solidão do indivíduo que não consegue se realizar como tal e acaba se perdendo em meio à desumanização propiciada pelo capitalismo. A trama do filme se desenvolve quase em sua totalidade em um distrito industrial da comuna de Ravenna  na Itália e no seu centro está a belíssima Giuliana (Monica Vitti), ela é a esposa de Ugo (Carlo Chionetti), o gerente de uma grande usina, e tem um filho ainda pequeno com ele. Apesar de ter uma vida aparentemente tranquila, Giuliana não se sente realizada, ela tem sérios problemas psicológicos, que são atenuados pelo isolamento social do qual ela é vítima. Ela, que acabara de sair de uma clínica, onde fora internada após um trauma, tenta se convencer que já está curada, todavia ela permanece visivelmente atormentada. Ugo se preocupa com ela e tenta ampará-la, mas existe um verdadeiro abismo entre eles.


Corrado Zeller (Richard Harris), um dos funcionários da usina, tenta se aproximar de Giuliana após ter sido apresentado a ela por Ugo, ele está apenas de passagem pela cidade, recrutando funcionários para trabalharem durante uma temporada na América do Sul. Lentamente ela começa a se abrir com ele, estabelecendo desta forma uma comunicação muito mais consistente do que aquela que ela mantém com o próprio marido. A relação que começa a se desenvolver entre eles é cheia de compreensão e cumplicidade e isso parece ajudar a ambos, mas ela vai se tornando perigosa por eles se aproximarem demais...


Corrado, ainda que em menor medida, também sente os efeitos de viver em uma sociedade tão desumanizada, mas diferente de Giuliana, ele aparenta ter encontrado algum tipo de equilíbrio. Ao ser questionado por ela acerca de sua posição política, ele responde: "É como perguntar em que se acredita, são palavras que pedem uma resposta precisa. Na verdade não se sabe bem no que se acredita. Acredita-se na humanidade e num certo sentido. Um pouco menos na justiça... um pouco no progresso. Acredita-se no socialismo talvez. O importante é agir do modo que se ache justo, justo para si e para os outros; para ter paz de consciência. A minha consciência está tranquila...". Durante o desenrolar da trama fica claro que a angústia existencial que Giuliana sente também é sentida por outros personagens que estão à volta dela, porém, somente ela a externa. 


Em O Deserto Vermelho (1964) as imagens, suas tonalidades de cores e enquadramentos, dizem muito mais que as palavras - esta é na verdade uma das características mais marcantes da obra de Antonioni - o uso deste tipo de narrativa tende a afastar a parte do público que tem dificuldade de decodificar tal tipo de mensagem, para estes o filme aparentará ser lento e sua trama fará pouco sentido. No entanto, aqueles que se dispuserem a apreciar o filme em sua totalidade, como uma obra de arte e não como entretenimento perceberá o quão profunda a história contada é. A preocupação com as cores do filme se refletiu até na escolha de seu nome, à principio ele deveria se chamar "Celeste e Verde", porém, depois de uma conversa com Jean-Luc Godard, Antonioni decidiu mudar, pois de acordo com o cineasta francês este não era um título "suficientemente viril"... O deserto vermelho, ao qual o nome definitivo se refere, não é uma referência às locações onde a fita foi rodada, mas ao estado psicológico da personagem principal.


Antonioni, assim como Ingmar Bergamn (que curiosamente morreria na mesma data que ele), permaneceu adepto do cinema em preto e branco bastante tempo depois do advento do cinema em cores, para ele o uso da tecnologia não poderia ser tido como um mero avanço técnico, ele precisava se tornar parte da linguagem fílmica, para assim ser justificado. É precisamente isso o que acontece em O Deserto Vermelho, no filme a cromatização serve como forma de salientar aquilo que os personagens sentem e também para ilustrar a forma com que o avanço das indústrias e do capitalismo destrói tudo que é vivo e belo, descolorindo e entristecendo cada paisagem... O trabalho de Carlo Di Palma, o diretor de fotografia, é simplesmente fantástico, é sublime a forma com que ele ora satura determinadas cores, ora descolore todo o quadro, demarcando apenas o vazio; os enquadramento que ele utiliza, que reforçam a pequenez do homem diante da grandiosidade das máquinas, também são esteticamente maravilhosos. 


Monica Vitti está muito bem no filme, seu desempenho justifica o fato de ela ter sido a grande musa do cineasta italiano, ela consegue expressar os sentimentos de sua personagem através de seus gestos e expressões faciais, nós espectadores percebemos o tormento que ela sente mesmo sem ela dizer qualquer palavra. O restante do elenco também entrega boas interpretações, mas a verdade é que no que tange este aspecto, o filme pertence à Monica e ao Richard Harris, eles conseguem desenvolver uma boa química nos momentos em que contracenam, o que faz com que as melhores passagens do filme sejam protagonizadas por eles...


É assustadora a forma com que esta obra permanece atual e contundente mesmo depois de quase cinquenta anos de seu lançamento, este é um dos aspectos que, somados aos outros já citados, o elevam á condição de clássico e de referência não só no tocante à linguagem, mas também pela reflexão que ele propõe acerca da solidão e da alienação do homem moderno.  

O Deserto Vermelho é sem dúvidas uma obra prima, mas isso não quer dizer que ele seja uma produção de fácil assimilação, ele é um filme pesado, indigesto e angustiante pela sua temática e por apontar problemas que só se agravariam com o passar dos anos e com a evolução do capitalismo para um outro estágio. Todavia não há dúvidas de que ele seja uma das obras mais importantes da história da sétima arte. Ultra Recomendado!


O Deserto Vermelho ganhou o Prêmio FIPRESCI e o Leão de Ouro (equivalente ao prêmio de Melhor Filme) no Festival de Veneza.

Assistam ao trailer de O Deserto Vermelho no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Robin Hood

Robin Hood (Robin Hood) - 2010. Dirigido por Ridley Scott. Escrito por Brian Helgeland, Ethan Reiff e Cyrus Voris. Direção de Fotografia de John Mathieson. Música Original de Marc Streitenfeld . Produzido por Russell Crowe, Brian Grazer e Ridley Scott. Universal Pictures e Imagine Entertainment / USA | UK.


Robin Hood (2010), de Ridley Scott, tentou forjar uma versão historicamente verossímil  para a lenda do fora da lei arqueiro que roubava dos ricos para dar aos pobres, sua trama funciona como uma espécie de prelúdio da história clássica que já fora reproduzida inúmeras vezes na literatura, no cinema e na televisão. No roteiro do filme, Robin Longstride (Russell Crowe) não é um nobre de nascença, como sempre o fora de acordo com a lenda, ele é apenas um plebeu, que esteve em combate na França a serviço do rei Ricardo Coração de Leão da Inglaterra. Após uma desavença com outro soldado, Robin é levado à presença do rei, que o inquere sobre sua fidelidade e posição acerca das cruzadas, mesmo sendo um combatente honroso ele acaba sendo punido por se posicionar contra a atuação de seu país durante o conflito. 

Após a morte de seu monarca, Robin decide abandonar o combate e João Pequeno (Kevin Durand), Will Scarlett (Scott Grimes) e Allan A'Dayle (Alan Doyle) o acompanham. Na rota de fuga eles se deparam com soldados que tinham sido vítimas de uma emboscada, a maioria deles já mortos, é então que eles arquitetam um plano de fuga, eles pilham os despojos dos mortos, vestem seus uniformes e Robin assume a identidade de um nobre, Robert Loxley (Douglas Hodge), que antes de morrer lhe pedira para entregar sua espada ao seu pai no vilarejo de Nottingham. Ao voltarem para a Inglaterra, Robin e os outros desertores se deparam com a frágil situação do reino, que se encontrava dividido e assolado pela alta carga de impostos cobrada pela coroa. 


Com a morte do Rei Ricardo, seu irmão mais novo, Príncipe John (Oscar Isaac), assume o trono, ele é imaturo demais e facilmente influenciável e isto o torna uma peça nas mãos do Xerife de Nottingham (Matthew Macfayden) e do soldado inglês Sir Godfrey (Mark Strong), que o manipulam a fim de enfraquecer a Inglaterra e assim possibilitar uma ofensiva da França, a quem eles são leiais, ambos esperam ser privilegiados caso os franceses assumam o comando do reino. Após refletir, Robin decide cumprir sua promessa e vai até Nottingham para entregar a espada, que pertencera ao homem de quem ele roubara a identidade. O pai do homem morto é Sir Walter (Max von Sydow), um homem respeitado e influente no vilarejo, que corria o risco de perder sua propriedade por causa dos mandos e desmandos da coroa. Ao ver as injustiças e a supressão da liberdade, Robin se engaja na luta contra contra a opressão imposta pelo príncipe. Sir Walter o convence a continuar se passando pelo seu filho, para assim poder proteger o vilarejo, que estaria diretamente ligado ao seu próprio passado. Robin, ao assumir a posição de Robert Loxley, acaba se aproximando demais da viúva dele, a bela Lady Marion (Cate Blanchett)...


Tenho que reconhecer que a proposta de dar um caráter verossimilhante à lenda foi válida, no entanto ela não consegue poupar o filme de cair no mais do mesmo. No longa, Ridley Scott simplesmente tentou repetir a fórmula usada no premiado Gladiador (2000), porém ela não funcionou da forma esperada (o resultado de bilheteria do filme, que ficou bem distante do previsto, é uma prova disso), o que não foi algo de todo inesperado, visto que os mesmos moldes já haviam sido reutilizados no fraco e  facilmente esquecível Cruzada (2005). O cineasta parece ter buscado referência em si mesmo e justamente em duas das obras mais controversas de sua carreira (reza a lenda que Gladiador teria sido salvo na edição final, pelo trabalho do editor Pietro Scalia),  a recaptulação de si mesmo, que não deve ser confundida com marca autoral, pode ser percebida não só na temática e no estilo do filme, mas também em quase toda a parte técnica, que nos remete de imediato às produções supracitadas.


No entanto, o grande problema do filme está em alguns pontos do roteiro, que força demais a barra para tornar crível a história do futuro "príncipe dos ladrões", algumas situações não se encaixam e outras simplesmente não fazem tanto sentido. Por exemplo, em determinado momento do filme, toda a história de repente se volta para Nottingham, que de repente se torna o centro de todas as atenções, como se toda a Inglaterra e sua participação na guerra se reduzisse ao pequeno território do vilarejo e sua minguada população, todos os personagens passam a ter vínculos, em alguns casos improváveis, com o lugarejo. Por meio de uma série de estranhas coincidências o roteiro vai movendo cada uma das peças, para assim chegar ao ponto, a partir do qual os alicerces da história clássica começam a ser fincados.


Robin Hood tem pouco valor artístico e nada de inovação, sua trama peca, como já mencionado, em diversos pontos, mas ainda assim ele não merece ser considerado um filme totalmente descartável, o ritmo ágil de sua trama o tornam uma boa opção de entretenimento para quem se dispor a não prestar atenção no abuso de uma fórmula que já rendeu o que tinha de render nas mãos do diretor. Não temos no longa nenhuma atuação tão magistral, apesar do elenco de peso ela traz,  Russell Crowe não convence na pele do personagem principal, que não foi tão bem construído, Cate Blanchett, Max von Sydow, Mark Strong e o resto do elenco estão razoáveis, nenhum deles nos oferece algo que vá além do feijão com arroz, mas ainda assim é legal vê-los juntos contracenando em uma produção que poderia ter sido bem mais ousada e grandiosa.


A minha impressão ao final do filme foi mais positiva do que negativa, talvez porquê eu já esperasse bem pouco dele, sua duração de mais de duas horas passou relativamente rápido, sem que ele se tornasse cansativo. Ao meu modo de ver, outro grande problema do filme, que pode afetar diretamente a forma com que o vemos, é a expectativa gerada pelos nomes envolvidos, ainda acredito que ele teria sido melhor recebido se não tivesse o peso do nome de Ridley Scott na direção e de um time de atores respeitados no elenco... Recomendo para quem gosta de épicos históricos e para aqueles que não tiverem coisa melhor para assistir. Se você se dispuser a vê-lo preste atenção nas locações, que são belíssimas, elas constituem um dos pontos mais positivos do filme... Mas, para quem deseja assistir um filme realmente bom sobre o personagem, recomendo o fantástico As Aventuras de Robin Hood (1938), de Michael Curtiz e William Keighley, com Errol Flynn no papel principal! 


Assistam ao trailer de Robin Hood no You Tube, clique AQUI !

Confiram também aqui no Sublime Irrealidade a crítica do clássico Alien, o Oitavo Passageiro (1979), também dirigido por Ridley Scott.

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra, 



domingo, 6 de maio de 2012

Medianeras

Medianeras (Medianeras) - 2011. Escrito e Dirigido por Gustavo Taretto. Direção de Fotografia de Leandro Martínez. Música Original de Gabriel Chwojnik. Produzido por Natacha Cervi e Hernán Musaluppi. Eddie Saeta S.A., Pandora Filmproduktion, Rizoma Films, Televisió de Catalunya (TV3) e Zarlek Producciones / Argentina | Espanha | Alemanha.



"Buenos Aires cresce descontrolada e imperfeita. É uma cidade superpovoada em um país deserto. Uma cidade onde se erguem milhares e milhares de prédios sem nenhum critério. Ao lado de um muito alto, tem um muito baixo. Ao lado de um racionalista, tem um irracional. Ao lado de um em estilo francês, tem um sem estilo. Provavelmente estas irregularidades nos refletem perfeitamente, irregularidades estéticas e éticas. Esses prédios que se sucedem sem lógica, demonstram total falta de planejamento. Exatamente assim é a nossa vida, que construímos sem saber como queremos que fique... É certeza que as separações e os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, os suicídios, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, a tensão muscular, a insegurança, a hipocondria, o estresse, o sedentarismo, são culpa dos arquitetos e incorporadores. Estes males, exceto o suicídio, todos me acometem...

A narração em off que abre Medianeras (2011), reproduzida parcialmente acima, é feita por um dos personagens centrais, nela já percebemos a forma com que a cidade e sua arquitetura serão usadas no desenvolvimento do filme como metáfora para as questões existenciais. A desorganização da cidade é apresentada não como sintoma, mas como provável causa do caos da vida moderna. No longa, que é inspirado em um curta homônimo lançado em 2005, também escrito e dirigido por Gustavo Taretto, a cidade de Buenos Aires se torna quase um personagem, dada sua importância na trama e nos rumos que ela toma. Tal aspecto me lembrar de Não Por Acaso (2007), filme nacional dirigido por Philippe Barcinski, pois em ambos são desenvolvidas temáticas similares, que exploram, mesmo que de formas distintas, a solidão e a melancolia da vida em uma grande metrópole, onde ao que parece o acaso é a única força determinante. 


Martin (Javier Drolas), o personagem que faz a narração reproduzida acima, é um web designer que mora sozinho em uma quitinete (que ele chama de "caixa de sapatos") no centro de Buenos Aires. Ele passa a maior parte de seu tempo trabalhando ou navegando por sites e chats sobre os mais variados temas. Sua fobia social, que está sendo amenizada por um tratamento psiquiátrico, o impediu durante muito tempo de sair e de se relacionar com pessoas fora do mundo virtual. Ao que parece, sua situação teria se agravado depois que sua noiva viajou para os Estados Unidos, a  viagem dela que deveria durar um curto período acabou se tornando definitiva. O relacionamento terminou quando ela entrou em contato e avisou que não voltaria mais. Do envolvimento entre eles só sobrou um cachorro poodle, do qual ele toma conta em seu minúsculo apartamento; a vida nas redes sociais se torna então uma espécie de fuga para Martin, uma vez que suas manias e preocupação excessiva o tornaram ainda mais anti-social e portanto incapaz de estabelecer laços duradouros.


Na mesma rua que Martin, em um outro prédio, mora Mariana (Pilar López de Ayala), que tem muito mais em comum com ele do que ambos poderiam imaginar, eles não se conhecem, apesar de frequentemente se esbarrarem na calçada e  em outros pontos da vizinhança. Mariana se formou em arquitetura, mas nunca exerceu a profissão, ela ganha a vida como decoradora de vitrine de lojas, o que explica a quantidade de caixas e partes de manequins amontoados em sua quitinete. Ela terminou um relacionamento, que durou quatro anos, depois de descobrir que não conseguia se encontrar nele e que a pessoa com quem estava lhe era, mesmo depois de todo este tempo, um completo desconhecido. As expectativas frustradas e a solidão a tornaram arredia e propiciaram o surgimento de fobias, como o medo de elevadores e (outra vez) de estabelecer contato com pessoas de fora de sua zona de segurança.


"A internet me aproximou do mundo, mas me distanciou da vida. Faço coisas de banco e leio revistas pela internet; baixo músicas, ouço rádio pela internet; compro comida pela internet; alugo e vejo filmes pela internet, converso pela internet, estudo pela internet, jogo pela internet, faço sexo pela internet..." - Martin

Tanto Martin, quanto Mariana, estão solitários, mas não por uma opção consciente, eles são vitimas de um fenômeno social que tem se tornado cada vez mais forte, principalmente nas grandes cidades, tal fenômeno envolve a superficialização e fragilidade dos relacionamentos e o distanciamento afetivo das pessoas. Ironicamente o surgimento e o agravamento deste fenômeno coincide com a chegada da era digital, na qual ainda estamos vivendo. A promessa da tecnologia de nos tornar conectados e cada vez mais próximos uns dos outros não foi cumprida, as redes sociais e os inúmeros meios de contato que temos hoje acabaram nos distanciando e fomentando o surgimento de relacionamentos frágeis e efêmeros, capazes, na maioria das vezes, de durar por uma noite apenas ou tão somente enquanto durar o bate-papo na web. Esta ironia da vida moderna é explorada de forma fantástica pelo roteiro do filme, que descreve e exemplifica tais tipos de relacionamento e ainda nos mostra que eles não estão mais tão restritos às redes sociais...


"Todos os prédios, todos mesmo, têm um lado inútil. Não serve para nada, não dá nem para frente, nem para o fundo, a "medianera", superfícies que nos dividem e que lembram a passagem do tempo, a poluição e a sujeira da cidade. As "medianeras" mostram nosso lado mais miserável, refletem a inconstância, as rachaduras, as soluções provisórias... É a sujeira que escondemos debaixo do tapete..."

O filme acaba se transformando durante seu desenvolvimento em sua principal metáfora, tal como as medianeras, ele mostra um lado da sociedade e de nossas próprias vidas, que nós preferimos na maioria das vezes ignorar. Preferimos acreditar que todo o aparato tecnológico que nos cerca é capaz de suprir cada uma de nossas necessidades e que por estarmos "conectados" jamais estaremos sozinhos. Preferimos varrer nossas própria neuroses para debaixo do tapete, para não termos que encarar o mundo real, que insurge como uma ameaça à nossa aparente comodidade. Através de uma narrativa que é predominantemente alegórica, Gustavo Taretto sutilmente nos convida a reavaliar nossas próprias vidas, seu roteiro é capaz de despertar em nós a coragem necessária para que possamos abrir janelas, mesmo nos lugares onde achamos que não deveríamos abri-las.


A riqueza das metáforas criadas pelo filme é impressionante e elas estão presentes não só na forma com que o roteiro usa a arquitetura da cidade como alegoria, mas também nos manequins e nas vitrines com os quais Mariana trabalha. Em um momento do filme a personagem comenta que ela sente que se expõe em cada um de seus trabalhos, com a esperança de que alguém a pudesse reconhecer ao olhar para uma de suas vitrines. Sem precisar forçar tanto, podemos fazer um paralelo entre estas vitrines e as redes sociais, das quais Martin se tornou dependente, uma vez que o que criamos na espaço virtual nada mais é do que uma vitrine, através da qual esperamos, tal como a Mariana, sermos reconhecidos, ainda que esta seja apenas uma montagem forjado por nós para ressaltar a angulação pela qual queremos ser vistos pelos outros...


Javier Drolas e Pilar López de Ayala estão muito bem em seus respectivos papéis, ambos conseguem ser convincentes em seus dramas, reflexões e neuroses, o destaque de suas atuações está na sutileza com que eles externam os sentimentos e as dores de seus personagens. Tecnicamente o filme é ótimo, sua excelência pode ser observada na montagem, repleta de rimas visuais, no uso de recursos, que nos lembram o tempo todo que vivemos em meio à revolução digital, e principalmente na fotografia, que se abstém de mostrar os atrativos turísticos de Bunos Aires, para mostrá-la como uma cidade fria, cinza e esteticamente desorganizada. A forma com que as edificações foram mostradas me lembrou bastante o trabalho do fotógrafo americano Bernie Dechant, que já abordou em sua obra a mesma temática explorada pelo filme... A trilha sonora também merece destaque pela forma com que cria uma perfeita sintonia entre os eventos mostrados e o estado psicológico dos personagens.

Medianeras é mais uma prova incontestável da qualidade do cinema que tem sido produzido pelos hermanos argentinos, é um filme sensível e belo, que merece ser conferido por todos, principalmente por aqueles que precisam fazer um buraco em suas medianeras para a entrada do sol... Ultra Recomendado!


Assistam ao trailer de Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual no You Tubeclique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra, 


quinta-feira, 3 de maio de 2012

Terror em Silent Hill

Terror em Silent Hill (Silent Hill) - 2006. Dirigido por Christophe Gans. Escrito por Roger Avary. Direção de Fotografia de Dan Laustsen. Música Original de Jeff Danna e Akira Yamaoka. Produzido por Don Carmody e Samuel Hadida. Silent Hill DCP Inc., Davis-Films e Konami Corporation / Canadá | França | Japão | USA.


Meus amigos adoram me meter em furadas, isso é um fato... Dia desses escolhi um bom filme pipoca para levar na casa de uns amigos, porém chegando lá, para minha completa decepção, eles optaram por outro filme que eu não tinha, até então, a mínima pretensão de assistir. Mas, mesmo sabendo o que me aguardava, decidi ficar, afinal eu não estava na posição de impor qual filme deveríamos assistir e ficaria feio se eu decidisse ir embora  de uma hora para outra. O filme escolhido por eles era Terror em Silent Hill (2006), adaptação cinematográfica de um famoso jogo de vídeo-game que fora criado no Japão. Comecei então a assisti-lo e minha expectativa ainda não era das piores. Com toda a sinceridade do mundo, eu torcia para que ele me surpreendesse, contudo bastaram poucos minutos para que eu entendesse que isso não seria possível de forma alguma. 

O longa, dirigido por Christophe Gans reproduz inúmeros clichês do terror como gênero e como se isso não bastasse ele faz verdadeiros plágios de cenas e de situações que ficaram famosas em outros filmes, como por exemplo o da tomada aérea que mostra o carro se deslocando numa autoestrada, indo em direção ao perigo - sequência memorável de O Iluminado (1980) - e a cena da garotinha que surge assustadora com rosto tombado e as mechas de cabelo jogadas sobre o rosto - cena presentes em inúmeros filmes do gênero, que vão de Carrie, a Estranha (1976) a O Chamado (2002) - isso para não citar outras que serviriam como spoilers, a presença de tais "repetições" só mostra o quanto o terror se desgastou nos últimos anos e sua urgente necessidade de reinvenção.



A trama, totalmente "sem pé nem cabeça", como bem classificou o meu amigo que escolheu o filme, gira em torna da família Silva (sic). Rose da Silva (Radha Mitchell) e Christopher Da Silva (Sean Bean) estão muito preocupados com a filha Sharon (Jodelle Fernand), ela sofre de sonambulismo, o que a faz caminhar e dizer coisas estranhas durante o sono. A primeira cena do filme mostra uma situação na qual a menina se meteu por conta de sua doença, seus pais se arriscam para salvá-la, no entanto esta é a gota d'água para Rose,  que, mesmo contra a vontade do marido, decide ir até Silent Hill, cidade que a menina menciona repetidamente durante o sono, para investigar a fundo o passado da filha que adotara ainda bebê.


Silent Hill é uma cidade fantasma, que fora abandonada depois de um acidente que acontecera na década de setenta. As minas de carvão que estão localizadas no seu sub-solo, onde ao que tudo indica o acidente aconteceu, continuam em combustão,  produzindo uma quantidade enorme de fumaça e de fuligem, o que torna a cidade praticamente inabitável. Rose capota seu carro ao chegar nos arredores do município e ao acordar ela percebe que a filha desaparecera, dotada de uma coragem descomunal ela adentra no perímetro assustador da cidade para tentar encontrar a menina. Ela contará com a ajuda de uma policial de uma cidade vizinha, que a perseguira na estrada, e de alguns outros personagens que surgem durante o desenvolvimento da trama.


De uma forma totalmente improvável o roteiro mescla histórias de fantasmas, zumbis, bruxas, monstros e possessão, sem que nada disso seja devidamente explicado ou no mínimo contextualizado, mesmo com tantos elementos o que sobra é o convencionalismo, que permite que nós espectadores já saibamos que desfecho o filme vai ter desde os primeiros minutos - aos 15 minutos de duração eu expus minha teoria sobre o desfecho, acertei em cheio - todas as situações são previsíveis e a trama é totalmente incapaz de criar qualquer tipo de suspense. As únicas sensações desconfortáveis que o filme nos provoca são o cansaço, que vem com a impressão de que ele está se prolongando demais (isto ainda na primeira hora de duração), e a vergonha alheia, que sentimos diante dos efeitos visuais e das tentativas de provocar algum susto.


Terror em Silent Hill é uma porcaria com "P" maiúsculo, do tipo que devemos passar o mais longe possível, portanto não se deixe levar pela propaganda de que esta é a melhor adaptação de um game já feita, isto pode até ser verdade, contudo tal argumento não vale por si só. Talvez para os fãs do jogo o filme até faça algum sentido, mas para os olhares mais atentos e aguçados, o longa não passa de uma fraude, uma sequência de erros que tenta se sustentar plagiando obras consagradas do gênero. É até estranho ver um profissional como o roteirista Roger Avary, que tem no currículo a coautoria de obras primas como Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction (1994), entregar um trabalho tão sofrível quanto este. Durante todo o filme é possível perceber que houve um cuidado com o visual e com a fotografia, no entanto, toda a estética do filme é pessimamente usada como parte da narrativa. A trilha sonora, quase toda vinda do jogo, é o destaque positivo do filme, mas ela por si só é incapaz de salvar o filme da péssima qualidade de seus outros aspectos... Não recomendo!


Assistam ao trailer de Terror em Silent Hill no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra, 


quarta-feira, 2 de maio de 2012

Namorados Para Sempre

Namorados Para Sempre (Blue Valentine) - 2010. Dirigido por Derek Cianfrance . Escrito por Derek Cianfrance, Joey Curtis e Cami Delavigne. Direção de Fotografia de Andrij Parekh. Música Original de Grizzly Bear. Produzido por Lynette Howell, Alex Orlovsky e Jamie Patricof. Incentive Filmed Entertainment, Silverwood Films, Hunting Lane Films e Shade Pictures / USA.


De onde vem a força e a brutalidade do soco que Namorados Para Sempre (2010) nos dá no estômago? Porque este filme é capaz de nos causar reações tão desagradáveis? Eu não sei se conseguiria elaborar respostas precisas para estas perguntas, mas arriscaria apontar como responsável a forma com que ele deixa em pedaços boa parte daquilo que temos como ideal de um relacionamento perfeito. De uma forma devastadora, seu roteiro desmonta a convenção social que diz que toda relação pode ser um mar de rosas e durar para sempre. Isto nos incomoda porque, por mais que o neguemos, nós geralmente buscamos o oposto disso, procuramos por coisas capazes de nos deixar bem com nós mesmos e de nos fazer sentir melhores em relação às nossas próprias vidas. As comédias românticas e os fell good movies tentam nos proporcionar isso, eles são agradáveis por nos apresentar um mundo de ilusão incondizente com nossa própria realidade e nós nos apegamos a tais ilusões de tal forma que qualquer contato com a realidade passa a ser doloroso e incômodo.

O título com o qual o filme foi lançado no Brasil é totalmente equivocado, ele passa a ideia erronia de que se trata de mais um filme açucarado sobre relacionamentos, quando na verdade este é um drama pesado e altamente indigesto pela sua abordagem. Namorados Para Sempre (2010) fala, dentre outras coisas, da incomunicabilidade, da falta de respeito e da intolerância, que têm sido algumas das causas mais comuns do surgimento dos conflitos que levam à ruptura de relacionamentos que prometiam ser duradouros. A abordagem dramática do longa é ainda mais contundente devido à excelente construção de cada um dos personagens centrais, ambos são isentos de qualquer maniqueísmo, são humanos e seus atos, por mais repreensíveis que possam nos parecer, são compreensíveis dado o contexto no qual a relação entre eles nasceu e se firmou.


"Eu acho que homens são mais românticos que mulheres, quando nos casamos é com uma garota. Nós resistimos o tempo todo até conhecer uma garota e pensamos: 'Eu seria idiota se não cassasse com ela'. Mas as garotas só escolhem a melhor opção. Conheço garotas que pensam: 'Ele tem um bom emprego'. Esperam sempre pelo príncipe encantado, então casam com o cara que tem um bom emprego..." - Dean

Quando Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling) se conheceram, ela tinha acabado de sair de um relacionamento destrutivo com alguém que não lhe dava o devido valor, mas, mesmo com tantos problemas ela ainda sonhava em ser médica e em se ver livre da convivência conflituosa com o próprio pai. Dean era um rapaz simples, sem tantas aspirações, ele mudara recentemente para a cidade e conseguira um sub-emprego em uma empresa de mudanças.



Dean se encontrou com Cindy pela primeira vez enquanto realizava a mudança de um senhor já idoso para um leito de hospital, naquele dia ela acompanhava a avó que estava internada em um outro quarto do mesmo andar, para ele fora amor à primeira vista. Dean não conseguia parar de pensar em Cindy nem esconder o que estava sentindo por ela, ele então decide fazer de tudo para conquistá-la e pouco a pouco ele vai ganhando a confiança e a afeição dela. O início do relacionamento entre Cindy e Dean constitui uma história que renderia uma típica comédia romântica sobre o encontro da felicidade e da pessoa certa, no entanto aquele era apenas o começo. O amor, tão cheio de paixão, que estava nascendo parecia que iria durar para sempre, contudo o tempo se encarregaria de desgastá-lo e de desfazer as promessas e juras de amor eterno feitas de forma tão sincera pelo casal...


O filme, através de um roteiro não linear e de uma excelente montagem, mescla eventos do início do namoro com outros que aconteceriam cinco anos depois, quando eles já estavam casados e com uma filha. Cindy havia se acomodado com a carreira de enfermeira e desistido da medicina e Dean continuava em um sub emprego. Nas passagem que retrata a vida de casado dos personagens, o filme vai sutilmente mostrando as diferenças não toleradas, as atribuições de culpa e as pequenas situações que dia-após-dia vão minando o respeito e a boa convivência entre eles. Aquela paixão, que parecia a princípio que nunca iria acabar, aparentemente estava esfriando. Numa tentativa desesperada de salvar o casamento, Dean leva Cindy para uma noite em um motel; em um quarto de temática futurista (não por acaso) eles tentarão relembrar o passado e encontrar algo que possa servir como suporte para a continuidade da relação.


Como mencionei acima, nenhum dos dois personagens são unilaterais, ambos são dotados de defeitos e de qualidades, de vícios e de virtudes, isto torna para nós espectadores ainda mais difícil tomar um lado no conflito - ainda que um dos personagens nos causa raiva em diversos momentos da história. Numa análise mais cuidadosa da trama somos capazes de apontar alguns dos motivos que teriam levado à situação na qual o casal se encontra depois de cinco anos de matrimônio, é justamente nesta análise que percebemos o quanto esta história não nos é totalmente estranha, ela é real e mais que isso, ela é cada vez mais normal. A sensação angustiante provocada pelo filme se acentua quando ele nos induz a ver o lado da filha do casal, que, apesar de ter apenas cinco anos, já compreende que a vida familiar como ela conhece está em risco.  Reparem como um fato mostrado no início do filme funciona como uma metáfora da desintegração de tudo que haviam construído juntos, este fato, aparentemente deslocado, afeta os personagens, acentua as diferenças entre eles e dá início à falência do sonho que eles tentavam realizar.


A inconstância e a efemeridade dos laços criados nos relacionamentos contemporâneos são abordados e interpretados de uma forma tão consistente que quase somos capazes de sentir a frustração, a tristeza e a dor dos personagens. Ryan Gosling e Michelle Williams estão soberbos no filme, eles, através  de suas respectivas atuações e de visíveis transformações físicas, conseguem nos convencer da passagem do tempo e de como cada um de seus personagens foram afetados por ela, no caso de Ryan, a que fica mais saliente é a transformação física, cinco anos depois seu personagem está mais gordo, calvo e usando óculos, já Michelle expõe é através das sutilezas de sua atuação a transformação psicológica de sua personagem, o que nos mostra que sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz foi realmente merecida.


Tecnicamente também o filme é muito bom, com destaque para os posicionamentos de câmera e para a fotografia, que variam nos dois tempos narrativos. No primeiro momento a fotografia salienta cores quentes e vivas que dão um tom mais alegre às cenas, já no segundo momento o que prevalece são os tons frios, que nos remete ao esfriamento da relação entre os personagens.

Namorados Para Sempre não é do tipo de filme que possa ser recomendado para todos os públicos, o realismo de sua trama tende a despertar mais reações negativas do que positivas e por isso muitos o considerarão demasiadamente pessimista. Quem no entanto se dispuser a "apreciá-lo" se deparará como uma pequena obra prima, um filme que será no mínimo marcante...

P.S.: Se você for assistir ao filme, preste atenção na cena em que Dean organiza no leito, com tamanho cuidado, os pertences do velhinho que se mudara para o hospital, esta é uma das cenas mais belas e tocantes do filme, ela deixa clara a intensidade da sensibilidade do personagem.


Namorados Para Sempre foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor Atriz (Michelle Williams) e ao Globo de Ouro nas categorias de Melhor Ator de Drama (Ryan Gosling) e Melhor Atriz de Drama (Michelle Williams).

Assistam ao trailer de Namorados Para Sempre no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,