Por Uma Vida Melhor (Away We Go) - 2009. Dirigido por Sam Mendes. Escrito por Dave Eggers e Vendela Vida. Direção de Fotografia de Ellen Kuras. Música Original de Alexi Murdoch. Produzido por Peter Saraf, Edward Saxon e Marc Turtletaub. Focus Features. / EUA | UK.
Sempre acreditei e defendi que no tocante à música a nossa época seria lembrada por aquilo que está sendo produzido na cena underground e não pelos produtos comercias do mainstream. Os independentes têm a vantagem de não estarem submissos a padrões criativos e estéticos impostos pela indústria, o que favorece a criatividade e a originalidade de seus trabalhos. Cada vez mais me convenço que tal fenômeno, que observo no meio musical, também vale para o cinema. Algumas das melhores obras que assisti nos últimos anos tiveram origem na prolífera cena indie, que tem rompido fronteiras e, graças às novas tecnologias, está presente até mesmo em países que não tinha até então nenhuma tradição no meio. Alheios às megalomanias hollywoodianas, os filmes indies têm conquistado público e ganhado cada vez mais espaço em circuítos maiores. E não é de se estranhar que mesmo realizadores já renomados escolham uma volta ao básico, a um tipo de modelo de produção no qual a liberdade de criação conta mais que o sucesso de bilheteria.
Por Uma Vida Melhor (2009) (também lançado no Brasil com o título de Distante nós Vamos), o quarto longa de Sam Mendes, é um exemplo perfeito do nível de qualidade que a cena indie tem alcançado, ele é um dentre muitos filmes que podem justificar a premissa que expus acima, a de que a relevância destas obras ainda será apontada no futuro como um dos melhores aspectos do cinema contemporâneo. O longa consegue mesclar a leveza e a despretensiosidade, características marcantes deste estilo de filmes, com a direção precisa de Sam Mendes e um roteiro muito bem escrito. O resultado disso no entanto não é um sucesso imediato de bilheteria e sim um filme simples, delicioso de se assistir e dotado de uma inteligencia tamanha, que pode fazer com que os mais despercebidos não compreendam que estão diante de uma pungente crítica ao “way of life” americano, o que em se tratando de Sam Mendes já era bem esperado. O diretor estaria se repetindo? De forma alguma!
Em Por Uma Vida Melhor, Mendes retrata novamente a realidade de uma família nuclear americana, mais uma vez o ideal do sonho americano é o alvo das críticas que seu filme tece. Se em Foi Apenas um Sonho (2008) o foco está sobre uma família que tem tudo aquilo que a sociedade considera necessário para ser feliz e não o consegue ser, desta vez o centro da trama é um casal que não tem nada disso e está a procura de algo que lhe possa trazer realização. Ambos estão um pouco frustrados por considerarem que suas vidas se estacionaram e que eles não chegaram nem perto do ideal comum de felicidade, que se sentem pressionados a alcançar. Burt (John Krasinski – o Jim do seriado The Office) é um analista financeiro que trabalha no ramo de seguros e Verona (Maya Rudolph – ex-Saturday Night Live) ganha a vida como ilustradora de livros de anatomia, ambos trabalham em casa. Na primeira sequência do filme, Burt descobre da maneira mais improvável possível que Verona está grávida. Um corte e já nos deparamos com Verona no sexto mês de gravidez.
Burt e Verona se vêm sozinhos na missão de criar e educar o filho que está prestes a chegar, quando os pais dele, que moravam relativamente perto, decidem viajar para Bélgica e lá ficarem por dois anos. É então que o casal decide pegar a estrada, num itinerário predeterminado por Verona, para tentar reencontrar parentes e amigos e achar o melhor lugar para viver a partir de então. Como em qualquer road movie, a viagem trará experiências e autoconhecimento que irão transformar a maneira com que eles enxergam o mundo e a vida familiar. Os personagens com quem eles encontram em cada cidade por ondem passam, apesar de excêntricos e caricatos, representam da melhor forma possível a fauna americana que habita debaixo de um mesmo teto. São diversas concepções de família e várias formas de encarar a paternidade, mas em nenhuma delas Burt e Verona conseguem se encontrar, tal processo mostrado no filme, funciona como uma desconstrução do sonho americano e de toda a concepção deturpada que se tem da vida conjugal e da relação com os filhos.
O roteiro de Por Uma Vida Melhor é simplesmente magnífico e faz com que nós expectadores experimentos diversas emoções durante a exibição. Este é um daqueles filmes raros, cujas cenas conseguem nos fazer rir e chorar ao mesmo tempo, tamanha sensibilidade. O longa está repleto de sequências hilárias e memoráveis, como uma na qual uma mãe aponta os defeitos do próprio filho e diz que a filha de 12 anos parece "sapatão", ou na ótima cena que envolve um casal que leva uma vida “alternativa” e um carrinho de bebês... A angulação dramática do filme vem à tona em excelentes diálogos entre os personagens, como na cena em que Burt e Verona conversam sentados em uma cama elástica, à noite no jardim da casa do irmão dele em Miame. Em uma outra passagem, um personagem secundário, que levava uma vida aparentemente feliz, lamenta: “Pessoas como nós esperam até os 30 anos e aí se surpreendem quando fica difícil fazer filhos. E a cada dia, outro milhão de garotas de 14 anos ficam grávidas sem tentar”. Como não ver neste tipo de declaração a falência da família como instituição e consequentemente a do sonho americano?
No final das contas, percebe-se que tudo não passa de hipocrisia a aparências, que na verdade é o que guia a sociedade americana (e a nossa por tabela) e o que Sam Mendes vem criticando desde Beleza Americana (1999). Ao contrário dos outros longas do diretor, este é alegre e chega a ser otimista, mesmo tocando em temas por vezes tão dolorosos. A história nos ajuda a compreender que a felicidade verdadeira está bem longe de qualquer ideal materialista e consumista. Entendemos então que os personagens não precisam estar casados, não precisam ter os melhores empregos do mundo, não precisam ter filhos perfeitos e não precisam atingir alguma meta imposta para alcançarem a felicidade, pois a felicidade está nas coisas mais simples da vida, como voltar ao passado e perceber que tudo está surpreendentemente diferente e que o presente precisa apenas ser vivido com a maior intensidade possível! A alegoria da árvore que não dava frutos, enfeitada pelas crianças com frutos falsos, é perfeita para ilustrar a ilusão da qual os personagens tentam escapar, ilusão esta que o cinema indie consegue superar com maestria inigualável.
Já poderia ter concluído esta resenha do filme, mas não posso deixar de comentar outros aspectos que o tornaram uma obra tão especial. A trilha sonora é apaixonante e está em perfeita sintonia com aquilo que o filme está tentando nos dizer sobre a simplicidade. Os enquadramentos e movimentos de câmera são muito bons, preste atenção na cena em que os personagens deslizam em uma esteira de um aeroporto, ou no enquadramento e fotografia da cena seguinte em que eles aparecem já no avião... O maior destaque, no entanto, fica por conta das atuações de John Krasinski e de Maya Rudolph, eles criaram tipos comuns, porém cheios de empatia, que nos parecem tão familiares e verdadeiros, ambos estão ótimos em seus personagens e conseguem nos cativar ainda mais à medida em que vamos os conhecendo melhor no decorrer do filme... Se você tiver uma oportunidade de assistir a este filme, não a perca! Por Uma Vida Melhor tem a beleza e a sensibilidade que raramente pode ser encontrada no cinema espetáculo! Ultra recomendado!
Assistam ao trailer de Por Uma Vida Melhor no You Tube,
clique AQUI !
Confiram também aqui no Sublime Irrealidade a resenha crítica de
Foi Apenas um Sonho (2008), o terceiro longa de Sam Mendes.
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Parabens pela texto, otimo! Quero assistir esse filme ainda esse ano, mas não tive oportunidade. Vou linkar tua pagina na minha para acompanhar suas postagens. Apareça para uma visita! Abs!
ResponderExcluirhttp://umanoem365filmes.blogspot.com/