Frankenweenie - 2012. Dirigido por Tim Burton. Escrito por Tim Burton, John August e Leonard Ripps. Direção de Fotografia de Peter Sorg. Música Original de Danny Elfman. Produzido por Tim Burton e Allison Abbate. Walt Disney Pictures / USA.
Frankenweenie (2012), apesar de ser um filme bastante irregular, é de longe o melhor trabalho do Tim Burton em anos, nele os elementos que caracterizam a marca autoral do cineasta aparentam estar em uma harmonia que não era vista desde A Noiva Cadáver (2005), curiosamente outra animação, o que não é por acaso. Burton tem demonstrado maior habilidade em um gênero no qual o exagero caricato da composição dos seus personagens e a superficialidade de suas histórias não constituem problemas tão graves quando notáveis. O roteiro do filme peca em alguns aspectos, que comentarei mais adiante, mas ainda assim ele consegue dar o suporte necessário para a narrativa, o que provavelmente não aconteceria caso se tratasse de um filme em live action, uma vez que naturalmente se espera um pouco mais de profundidade dramática de obras neste formato.
Ironicamente, a trama de Frankenweenie parece ter sido concebida tal como o cãozinho que é ressuscitado em sua história. Assim como o cachorro, o roteiro chama a atenção pelas colagens do qual é constituído e deixa aparente costuras e remendos que denotam o amadorismo, que caracteriza sua composição. Inúmeras referência à clássicos da literatura e do cinema de horror pipocam na tela a todo momento, o que à princípio até chega a ser algo interessante. É legal perceber, por exemplo, a influência dos cenários de O Gabinete do Doutor Caligari (1920), clássico do expressionismo alemão, na construção do sótão onde o garoto protagonista realiza suas experiências e a sátira bem humorada de lugares comuns do gênero, como o personagem soturno que relata uma lenda assustadora ou a revolta do povo contra um ser inocente acusado de trazer uma maldição.
A partir de determinado momento, no entanto, o roteiro perde toda a sua sutileza e as referência se tornam mais escrachadas, passando a chamar mais a atenção do que o desenrolar da trama em si. Isso não chega a tornar o filme ruim, mas tira dele aquilo que, em se tratando de Tim Burton, faria toda a diferença: a originalidade. Principalmente no último ato, tudo o que acontece parece ser justificado apenas pela tentativa de se fazer um diálogo com outras obras e com isso ganhar a simpatia do espectador, tal proposta até poderia ser considerada nobre se fosse usada com sobriedade, mas não é o que acontece. Percebe-se então muito daqueles que influenciaram Burton em seu estilo, enquanto a expressão de sua própria personalidade artística fica limitada a alguns dos elementos técnicos do filme.
Victor Frankenstien (voz de Charlie Tahan) é um garoto tímido, de poucos amigos, cuja principal companhia é Sparky, seu fiel cachorrinho. Imerso em uma solidão autoimposta, ele aproveita o isolamento para dar asas à sua criatividade, ele transforma o sótão de sua casa em um verdadeiro laboratório, onde realiza experimentos científicos e põe à prova teorias aprendidas em sala de aula. O mote da trama surge quando Sparky morre em um atropelamento, Victor fica desolado e no afã de ter seu amigo de volta ele decide usar os conhecimentos adquiridos na escola para ressuscitá-lo. Ele desenterra o cachorro, costura seu corpo dilacerado e consegue, com a ajuda de uma descarga elétrica provocada por um raio (tempestades com raios são frequentes na cidade onde a história se passa), trazê-lo de volta do mundo dos mortos.
Na primeira sequência do filme, Victor mostra para seus pais um filme amador que rodara tendo o cãozinho como protagonista, nesta passagem é praticamente impossível não ver no garoto e no contexto em que ele vive uma referência à infância do próprio Tim Burton, este viés autobiográfico poderia ter sido a grande sacada do filme, no entanto, ele se perde rapidamente, dando lugar às tentativas desajeitadas do cineasta de explicar a origem de sua marca autoral. Drácula (1931), King Kong (1933), O Lobisomem (1941), Godzilla (1954), A Múmia (1959), Gremlins (1984), O Cemitério Maldito (1989) e Jurassic Park (1993) são alguns dos filmes aos quais Frankenweenie reverencia, o aspecto positivo que pode ser observado em meio à tantas citações é a nostalgia que nos salta aos olhos durante o desenvolvimento da trama, que tem um pé fincado nos clássicos do terror e outro nos filmes juvenis da década de 80.
As citações usadas por Burton aponta para a humildade que ele demonstra ter ao reconhecer aqueles que o influenciaram, mas é através delas também que ele faz uma crítica sutil à Disney, a produtora do filme, a mesma que o demitiu nos anos oitenta por considerar o curta que daria origem a Frankenweenie sombrio demais (na ocasião ele ainda era apenas um animador). Em uma cena rápida é possível perceber que o filme Bambi (1942), um dos clássicos da produtora, está em cartaz em um cinema da cidade, segundo o próprio cineasta tal referência é apenas uma lembrança de que historicamente a trajetória da Disney também está maculada pela exploração de cenas inapropriadas para crianças. Em uma entrevista concedida à agência de notícias Reuters ele lembrou que a morte da mãe do Bambi é tão sombria quanto os temas explorados por ele em seus filmes.
A qualidade técnica de Frankenweenie é indiscutível, o que já esperado de qualquer filme do Tim Burton, mesmo dos mais facos. A animação em stop motion é muito bem realizada, o que pode ser percebido pela meticulosidade dos movimentos dos personagens e pela riqueza de detalhes presente em cada fotograma do filme. O visual sombrio, muito bem elaborado, está condizente com a temática e a trama do filme, a fotografia em preto e branco destaca e potencializa a morbidez das ambientações, que parecem saídas de um conto do ultra-romantismo. A ausência de cor é mais um elemento que remete aos clássicos do terror das décadas de 20, 30 e 40. A trilha sonora do filme é outro aspecto técnico que merece ser destacado, as canções, que são muito bem usadas em seu desenvolvimento, conciliam tanto o viés sombrio quanto o cômico, gerando um resultado condizente com a proposta do roteiro de mesclar o horror à leveza das comédias infanto/juvenis.
Como eu disse no início desta resenha, Frankenweenie, apesar de seus excessos e derrapadas, ainda é uma das melhores obras que o Tim Burton dirigiu nos últimos anos. O que preocupa é que mesmo tendo um considerável nível de qualidade, perceptível em vários de seus aspectos técnicos e artísticos, o filme ainda é incapaz de lançar uma luz de esperança sobre a obra do cineasta, que parece condenado a repetir à exaustão fórmulas já desgastadas... Felizmente, aqui não temos mais uma parceria entre Burton, Johnny Depp e Helena Bonham Carter, o que, convenhamos, é bom para todos!
Frankenweenie não é uma obra-prima e está bem aquém do que se espera de um cineasta que já realizou obras como Edward Mãos de Tesoura (1990) e Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas (2003), todavia, ainda é uma boa pedida, principalmente para quem espera dele só um bom entretenimento, recomendo!
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.
Confiram também aqui no Sublime Irrealidade as críticas de A Noiva Cadáver e Sombras da Noite, também dirigidos por Tim Burton!
Não acho este aqui nada irregular e também adoro o curta metragem com a Shelley Duvall que o originou.
ResponderExcluirTim Burton é um autor completo e sua obra não deve ser totalmente diferente. Seu estilo é único e ponto. Alguns acham que ele já esta desgastado, só acho que de vez em quando há premissas que não mexem comigo como Planeta Dos Macacos, A Fantástica Fábrica de Chocolates e Alice No País Das Maravilhas, justamente porque já tinham versões seminais.
Estou curioso por "Big Eyes", dos mesmos roteiristas de Ed Wood. Burton trabalhando com Christoph Waltz? Imperdível. Até agora sem confirmação se Depp e Helena estarão no elenco, rs!
Abs!
Não o considero um autor completo Rodrigo, ele concebeu algumas obras originais e depois se tornou uma cópia de si mesmo. Seus roteiros em poucas ocasiões conseguem alcançar um nível considerável de profundidade e isso tem piorado nos últimos filmes. não acho que seja por acaso que o público médio goste tanto dele.
ExcluirO que lhe falta ao meu ver é um pouquinho mais de ousadia para sair de sua atual zona de conforto...
Só por isso ele não é um autor completo? Não acho que ele se tornou cópia de si mesmo, tudo bem que ele já derrapou, mas foi quando resolveu recriar no seu estilo (eis o que disse sobre ser um autor completo de sua obra sem interferências de outros) obras que não precisariam de sua visão. Planeta dos Macacos foi a maior das decepções justamente porque o filme de 68 é irretocável. Seria o mesmo se um doido um dia resolvesse fazer outra versão de qualquer filme do próprio Burton.
ExcluirE mais ousado do que em Frankenweenie, ai tb discordo da amiga Pati Baleeira! Uma animação em pleno século XXI totalmente em preto e branco. São coisas de um velho Tim Burton louco! Do que mais precisamos? E não adianta, é o que ele sabe fazer.
Sinceramente Rodrigo, eu queria ter a mesma percepção que você, mas não consigo, eu ainda tenho respeito pelo Tim Burton pelo conjunto de sua obra, no entanto confesso que tenho até dificuldade de chamá-lo de 'autor'. Você disse que ele derrapou quando tentou recriar em seu estilo, eu penso o contrário, acho que o grande acerto dele na última década aconteceu justamente quando ele subverteu dua própria fórmula, com o excelente "Peixe Grande". De certa forma a obra dele me faz lembrar de um quadro do Romero Britto, esteticamente bonito, porém vazio de significações... Espero que ele supere esta fase...
ExcluirAcho que Peixe Grande mantêm o mais absoluto estilo de sempre de Tim Burton. O fato é que um bom roteiro, uma boa estória, como esta que nos emociona, faz alguma diferença.
ExcluirAbs.
Olá Brunão,
ResponderExcluirJá gostei beeeeeeeeeeeeem mais do Burton.
E concordo, quando diz sobre falta de ousadia...
Ele precisa 'ENLOUQUECER' , voltar a dirigir com a intensidade sarcástica de sempre. Será, que o fato dele ter virado um ícone POP('moderninho'/ cult) que os jovens amam...O fez cair na zona de conforto para nunca mais sair? rs.
Em resumo, sou fã da tríade: Burton, Depp e Bonham....Espero, que tenhamos bons trabalhos no futuro.
bj querido.