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sábado, 22 de novembro de 2014

Boyhood: Da Infância à Juventude

Boyhood: Da Infância à Juventude (Boyhood) - 2014. Escrito e dirigido por Richard Linklater. Direção de Fotografia de Lee Daniel e Shane F. Kelly . Produzido por Richard Linklater, Jonathan Sehring, John Sloss e Cathleen Sutherland. Produtoras: IFC Productions e Detour Filmproduction / USA.


Boyhood de Richard Linklater é um fruto de uma proposta ousada, ele foi filmado durante 12 anos, o mesmo período que a sua trama transcorre. A ideia era reforçar o realismo da história contada, conferindo a ela uma maior credibilidade e maior aproximação em relação ao público, que tenderia a aceitar com maior facilidade a verossimilhança da narrativa, uma vez que não haveria nela o risco de tropeçar naquilo que boa parte dos filmes que percorrem um longo espaço temporal normalmente tropeçam, que é a habilidade de conseguir, através dos elementos de linguagem, convencer de que há de fato um deslocamento no tempo. Em Boyhood não há maquiagens ou efeitos especiais, nem tão pouco troca de atores para imprimir nos personagens as marcas da passagem dos anos, nada disso se faz necessário porque os atores envelhecem e se transformam junto com os seus personagens. E não é só os atores que se transformam, o mundo muda no decorrer do período de produção e o reflexo disso está presente no filme, da maneira mais natural possível.

Alguns críticos chegaram a afirmar que o convencionalismo do roteiro, escrito pelo próprio Linklater, não fez jus à ousadia conferida pelo formato inusitado, não discordo totalmente desta afirmação, porém, penso que é justamente aí que reside a sacada e o maior trunfo do filme. Na história não há nenhum grande drama, nenhum grande objetivo a ser alcançado e, pode-se dizer que nas quase três horas de duração do filme também não há nenhuma grande reviravolta, o que Boyhood retrata (de uma maneira soberba) é a própria vida e a forma com que ela avança, muitas vezes sem sentido e sem oferecer qualquer tipo de explicação para as mudanças com as quais nos vemos obrigados a lidar. Pode-se dizer que ele é um filme sobre os ritos de passagem (no plural mesmo) pelos quais todos nós passamos em diferentes fases de nossa vida... É antes de tudo um filme sobre o tempo e ele é um de seus principais personagens.


Já no primeiro ato do filme vemos os membros da família, em torno da qual a história gira, lidando com uma primeira peripécia, é apenas uma mudança para uma casa nova, mas esta pequena transformação já é o suficiente para que esbocem comportamentos que serão recorrentes durante quase todo o filme. Mason (Ellar Coltrane), o protagonista, sua mãe (Patricia Arquette) e sua irmã, Samantha (Lorelei Linklater), não sabem lidar com as mudanças que a vida lhes impõe e, por temerem as transformações, eles resistem a elas o máximo que podem. Em uma análise um pouco mais profunda, eu diria que o que os assusta é na verdade o simples decorrer do tempo, que insurge como o grande antagonista da história, um vilão capaz de separar pessoas queridas, destruir relacionamentos e dar à vida rumos diferentes daqueles que tinham sido planejados. 


Mason e Samantha atravessam no filme dois períodos de intensas mudanças, o primeiro deles é a passagem da infância para a adolescência e o segundo, que é retratado já perto do film do filme, é a passagem da adolescência para a vida adulta. Durante este tempo eles lidam com o distanciamento do pai divorciado (Ethan Hawke) e com as mudanças no seio familiar, descobrem os primeiros amores e o senso de responsabilidade e, complexos que são, se transformam como grupo e como indivíduosE não é só em Mason que podem ser observados os efeitos desta implacável ação do tempo, eles estão presentes em toda a família. Em maior ou menor grau, positiva ou negativamente, todos acabam afetados pelas transformações que vivenciam em casa, na escola, no grupo de amigos, no trabalho, ou nos relacionamentos. 


A mãe é afetada de uma maneira diferente, ela aparenta estar o tempo todo correndo contra o grande vilão da história, o tempo, para manter os filhos seguros e a família unida. Numa das passagens mais representativas do filme, ela se depara com o que acredita ser o fim de sua vida, a perda da corrida contra o tempo, que é representada pela independência dos filhos já crescidos e pela falta de um projeto pessoal para abraçar a partir de então, o seu drama é o de não mais conseguir se adequar ao tempo que está vivendo; na passagem em questão, o filho compreende isso e a repreende. Em outro momento emblemático do longa, o pai sentencia em tom reflexivo: "o tempo nos torna mais resistentes"; ele próprio é a prova disso na trama, no entanto esta sentença não pesa apenas sobre ele, é ela que impede cada um dos outros personagens de vergarem, em diversos momentos, diante da já citada ação do próprio tempo.


Boyhood tem a seu favor um atributos que mais admiro no cinema, que é o poder de retratar o trivial, o cotidiano e algo aparentemente não dotado de grande significação com um olhar diferenciado, capaz de evocar inúmeras reflexões e questionamentos sobre a nossa própria vida. O misto de nostalgia e de encantamento diante de uma realidade que nos é apresentada - que não é tão diferente da nossa própria - funciona como uma espécie de convite para revisitar as nossas próprias memórias e para uma reflexão sobre a forma com que nós mesmos estamos lidando com a passagem do tempo e com uma quase inevitável angústia existencial, advinda da noção de que tudo pode passar ou se desfazer em um piscar de olhos... 


Um aspecto que, obviamente, eu não poderia deixar de comentar é a trilha sonora, os nomes presentes dispensam qualquer comentário adicional sobre ela, no entanto, creio que seja necessário destacar que cada canção foi muito bem utilizada na trilha, constituindo um elemento da própria linguagem e não apenas um mero acompanhamento, no mais, resta dizer que estão nela nomes como Arcade Fire, Coldplay, The HivesGeorge HarrisonPaul McCartney, Daft PunkFoo FightersThe Flaming LipsGary GlitterVampire WeekendPhoenixKings of LeonBob DylanFoster the PeopleYo La Tengo e os brasileiros Moreno VelosoLuísa Maita



A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

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