Amor à Flor da Pele (Fa yeung nin wa) - 2000. Escrito, dirigido e produzido por Kar Wai Wong. Direção de Fotografia de Christopher Doyle, Pung-Leung Kwan e Ping Bin Lee. Música Original de Michael Galasso e Shigeru Umebayashi. Block 2 Pictures, Jet Tone Production e Paradis Films / Hong Kong | França.
Em Amor à Flor da Pele (2000), o cineasta chinês Kar Wai Wong provou que é possível retratar os efeitos de uma paixão arrebatadora através da linguagem cinematográfica, sem que para isso seja necessário apelar para o excesso de cenas de sexo, ou de nudez. Todos os aspectos do filme, incluindo trilha sonora, fotografia, enquadramentos, figurinos e direção de arte, colaboram para tal e o resultado é simplesmente impressionante, uma obra de arte tão bela quanto melancólica e tão fascinante quanto a própria sensação de estar apaixonado; trata-se de um filme esteticamente belo, dramaticamente consistente e muito bem sucedido em sua proposta. Sua história gira em torno de um casal que vive uma paixão impossível de se concretizar, devido ao fato de que ambos são casados e temem transpor as barreiras morais que se levantam em torna da situação.
Na trama, ainda que resistam em assumir aquilo que sentem um pelo outro, o jornalista Chow Mo-wan (Tony Leung Chiu Wai) e a secretaria Su Li-zhen (Maggie Cheung) acabam alimentando um sentimento que só se intensifica no decorrer da trama, a falta de contato físico e a não consumação deste amor parece aumentar ainda mais a ardente paixão que sentem um pelo outro. O roteiro explora tal situação de uma forma maravilhosa, todo o desenvolvimento da história é sustentado pelos curtos passos que cada um dos personagens tentam dar em direção ao outro, passos estes que ora parecem não levar a lugar nenhum, ora aparentam distanciá-los ainda mais. Ao retratar este sentimento reprimido, o filme levanta diversas questões morais, principalmente acerca do adultério e da confiança depositada em outrem. A trama nos leva a questionar onde de fato começam a traição e a culpa daqueles que a cometem.
Chow e Su Li se mudaram no mesmo dia para um prédio decadente localizado em um subúrbio de Hong Kong, ambos, com seus respectivos cônjuges, alugaram quartos em minúsculos apartamentos. A pobreza do local nos salta aos olhos já nas primeiras cenas do filme. Paredes descascadas, instalações elétricas precárias e a claustrofobia proporcionada pela falta de espaço denotam alguns dos problemas sociais que a cidade/estado já vivenciava no início da década de 60, época em que o filme se passa. A vivência neste ambiente opressivo, a carência afetiva e a constante ausência de seus parceiros fazem com que Chow e Su Li acabem se aproximando um do outro e a cumplicidade que encontram nesta amizade aparenta aliviar as feridas provocadas pelos seus casamentos, que já estavam em crise antes mesmo de se conhecerem.
O efeito do choque entre tradição e contemporaneidade está evidente na trama, sendo potencializado pelo dilema criado em torno do relacionamento entre os personagens. O tradicionalismo da cultura oriental se manifesta através de pequenos costumes, dos tabus preservados e de outros traços presentes na vida cotidiana. Já os reflexos da pós-modernidade estão presentes na subversão de cada um desses elementos e no vazio existencial experimentado pelos protagonistas, que seria ao meu ver uma evidência do distanciamento emocional e da fragilidade dos laços e das relações que tentam construir. As reflexões fomentadas pelo filme nascem desta dicotomia entre passado e presente, mas também das questões morais que envolvem os personagens, questões estas que seriam de certa forma atemporais.
O decorrer do tempo tem uma importância enorme na trama, em diversas passagens são feitos closes em relógios e isso não é por acaso, a ideia é justamente mostrar que toda a ambientação está localizada em uma espécie de quebra temporal, onde o passado se encontra com o presente e o futuro, exercendo juntos efeitos sobre a vida dos personagens. O ritmo lento que o filme adota em seu desenvolvimento reforça esta ideia, é interessante a percepção de que não é possível saber ao certo quanto tempo se passou desde que os personagens se conheceram, podem ter sido dias, semanas ou até mesmo meses ou anos. A montagem ajuda a desconstruir a noção do decorrer do tempo, sem que haja para tal a necessidade de 'quebras' na narrativa, isso torna o desenrolar da trama um fluxo contínuo e ininterrupto, no qual predominam o desejo e paixão que o longa retrata tão bem através de seus elementos técnicos e artísticos.
Amor à Flor da Pele beira à perfeição em cada um de seus aspectos, sua trilha sonora evoca nostalgia, melancolia e principalmente sensualidade. A fotografia, aliada à beleza dos figurinos e da direção de arte, constrói planos de um lirismo tão estonteante, que torna cada fotograma uma obra de arte individual. Ao olhar para o filme como um todo, concluo que Kar Wai Wong fez aqui uma obra-prima, que eu facilmente incluiria em minha lista pessoal dos mais belos filmes das últimas décadas. Terminei de assisti-lo ciente de que eu estivera diante de uma das mais belas expressões artísticas da paixão. Recomendo!!!!!
Amor à Flor da Pele ganhou em Cannes o prêmio de Melhor Ator (Tony Leung Chiu Wai ) e o Technical Grand Prize (pela edição e fotografia).
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.
Excelente mesmo Bruno! Sou fã do Kar Wai e de todos os maravilhosos filmes que já realizou, este aqui é o mais bonito, sensível e perfeitamente captado. Enfim, gosto da sutileza que ele conseguiu transpor na tela e da maneira como a premissa é contada. Cheung e Leung arrasam.
ResponderExcluirTambém adoro de "2046 - Os Segredos Do Amor"!!!!
Abs.
Também sou fã de Wong Kar Wai. Esse filme é excelente. Aquele amor insuportável, mas que não pode acontecer. Abraços.
ResponderExcluirAntes de mais, excelente texto Bruno! Tudo o que é importante se encontra destacado.
ResponderExcluirEste, a par com o 2046, é mesmo o meu filme preferido do Wong Kar Wai. Belo, sublime, subtil, uma obra única na sétima arte. Interpretações de alto nível, uma direcção de fotografia extremamente bela e definida, banda-sonora hipnotizante, etc etc. Uma pérola de arte...
Cumprimentos,
Rafael Santos
Memento mori (a-loose-tooth.blogspot.pt)
Brunão meu amigo, tudo bem?
ResponderExcluirRapaz, que resenha bem feita hein... Você realmente é especialista nisso. Te confesso que dessa vez não procurarei assistir a esse filme, esse gênero não me agrada. Mas sou obrigado a lhe dizer que seu texto ficou muuuuito bom!
Parabens amigo!
Recebeu o arquivo do livro? Tomara que goste!
Um abração.
Bruno, que beleza, mais um filme que descubro graças a você! Nunca tinha ouvido falar desse. O oriente sempre nos oferecendo obras-primas da sensibilidade. Estou, como uma leitora de folhetim, querendo saber o desfecho dessa história de amor platônico. Vou procurá-lo!
ResponderExcluirBjs
José Bruno, adorei o seu texto. Parabéns mesmo. Estou curiosíssimo para ver esta obra, desde que li sua crítica pela primeira vez, quando postou na época. A história parece muito interessante e, de fato, pelo que falou da trilha sonora, fiquei mais curioso. Vou procurá-lo para assistir nas férias.
ResponderExcluirAbraço.
http://www.leituradecinema.com.br/2013/05/copia-fiel.html
http://www.leituradecinema.com.br/2013/04/a-caca_9068.html
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ResponderExcluirFilme sublime e de extrema beleza. Bela análise você fez. Também recomendo!
ExcluirA quem se interessar, texto com algumas divagações sobre o filme!
ResponderExcluirO amor é à flor da pele e eterno: http://luiztonon.blogspot.com.br/2015/04/o-amor-e-flor-da-pele-e-eterno.html
Abraços