Eles eram Muitos Cavalos de Luiz Ruffato. Lançado em 2001. Rio de Janeiro. 7° Edição BestBolso, 2010.
"Eles eram muitos cavalos, mas ninguém sabe os seus nomes, sua pelagem, sua origem..." - Cecília Meireles
Da citação acima, retirada do poemas Dos Cavalos da Inconfidência, saiu o título do primeiro romance de Luiz Ruffato, escritor mineiro de Cataguases, que se tornaria reconhecido internacionalmente após o lançamento da obra. Em Eles Eram Muitos Cavalos, ele cria uma espécie de mosaico literário, cujos principais personagens são a Grande São Paulo e sua população. Através de 70 fragmentos, ele chama a atenção para os anônimos, vítimas da invisibilidade social, que imersos em suas vivências cotidianas, ajudam a construir o que de bom e de ruim a metrópole tem. Crítica social, reflexão e poesia se entrelaçam em uma narrativa que transcende seus próprios limites e subverte suas próprias convenções.
O autor adota, em alguns dos 70 textos, tipos de linguagem condizentes com o contexto da estória contada, ou com o perfil do personagem que a narra; em outros, a construção literária evoca a impessoalidade e isso acontece principalmente quando ele busca reproduzir estilos textuais típicos de anúncios publicitários e outros formatos não literários, como aqueles que são encontrados em horóscopos de revistas, orações impressas em panfletos, cardápios de restaurantes ou classificados de jornais. Em outros ainda, nos deparamos com formatos ainda menos convencionais, como, por exemplo, naquele em que é reproduzida uma lista eclética de livros que estão organizados em uma estante e seus respectivos autores. No entanto, a maior parte dos textos busca narrar o dia-a-dia daqueles cuja a existência foi reduzida a quase nada, a ponto de sequer serem notados em meio ao corre-corre da grande cidade.
Adultos, idosos, crianças, adolescentes, empresários, moradores de rua, donas de casa, ladrões, contraventores, viciados, trabalhadores assalariados, desempregados, prostitutas, artistas... esta é a diversa fauna urbana que está tão bem retratada no livro, nele estes personagens malogros vêm acompanhados de seus sonhos, medos, esperanças e frustrações. São pessoas sem notoriedade além dos círculos nos quais transitam, são indivíduos marginalizados e sem uma perspectiva que lhes permita conhecer o todo do qual fazem parte. Esta perspectiva, da qual carecem, é dada a nós leitores no momento em que compreendemos que apesar de independentes, os fragmentos que compõem o romance ganham um significado maior quando analisados em conjunto.
O autor Luiz Ruffato |
Na unicidade, que pode ser percebida em uma análise da obra como um todo, reside um dos indícios da genialidade do autor. É notável que Eles Eram Muitos Cavalos não se trata apenas de uma coletânea de textos avulsos, mas de uma única composição, dilacerada em pedaços, tal como a nossa própria percepção da sociedade que nos cerca. Quando reconhecemos a Grande São Paulo como a principal personagem do livro, passamos a entender a questão da unicidade com maior clareza. Na concepção do autor a cidade seria o resultado das atitudes e interações destas pessoas, das quais os textos falam, atores sociais estes que são se reconhecem como tal e por isso são relegados à condição de meros coadjuvantes pelo olhar da própria sociedade da qual fazem parte.
O livro de Luiz Ruffato funciona ainda como um convite à reflexão e à mudança de olhares e concepções. É interessante perceber que a representatividade dos socialmente invisíveis muda á medida que percebemos que são eles os responsáveis por aquilo que a sociedade é como um todo e por aquilo que cada um de nós colhemos dela, seja esta colheita boa ou ruim. É pertinente também que reflitamos sobre esta, que é uma das questões que mais me intrigaram durante a leitura: Até que ponto nós, que acreditamos estar 'conectados' e participando da vida social, somos também tão invisíveis e animalizados quanto as pessoas que transitam pelas páginas do livro? Talvez sejamos, tal como eles, 'cavalos, sem nome, pelagem ou linhagem'...
Eles Eram Muitos Cavalos foi reconhecido com o Prêmio APCA de Melhor Romance e com o Prêmio Machado de Assis de Narrativa da Fundação Biblioteca Nacional e ainda recebeu a Menção Especial no Prêmio Casa de las Américas. O livro já foi publicado na Itália, França, Portugal, Argentina e Alemanha.
Ganhei o exemplar de Eles Eram Muitos Cavalos da amiga (e eterna professora) Carla Machado, o presente foi o fruto de uma brincadeira que começou no facebook, uma corrente de leitura, na qual os cinco primeiros que comentassem 'eu quero' na postagem sobre a corrente ganhariam um livro de quem a postou , com a condição de que deveriam assumir o compromisso de presentear com outras obras as primeiras cinco pessoas que comentassem o seu próprio compartilhamento da corrente.
J. Bruno, amei sua resenha! Se estivesse valendo nota, você ganharia 10 e um bilhetinho! Parabéns pelo texto, pelo blog (que sempre leio e uso algumas dicas de filme)e, principalmente, por acreditar num jornalismo cultural de verdade.
ResponderExcluirGrande abraço da amiga Carla
Carla, querida, aproveito para reiterar o que eu já havia te dito, adorei o presente e, como eu já esperava de uma dica de leitura vina de ti, o livro me proporcionou excelentes momentos de leitura e de reflexão.
ExcluirObrigado pelo presente e pela força. Fico feliz que você tenha gostado do texto!
Brunão, vc é o cara das resenhas! Rapaz, tem que ter classe e sabedoria pra falar tão bem assim de uma obra! Eu confesso que não tenho esse dom!quanto a obra, pela sua resenha, ela parece interessante!
ResponderExcluirPuxa Brunão, quando eu publicar meu livro eu vou querer uma resnha sua, hahahahahahahha.
um abração!