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terça-feira, 26 de abril de 2011

1° Festival de Teatro de Ubá - Boas Peças Para Um Público Pequeno


Há quase 4 anos, desde a última edição da Mostra Vicenzia, Ubá não sediava um festival de teatro. Em 2007, quando o último evento do tipo aconteceu, a cena na cidade estava um pouco diferente, a quantidade de grupos em atividade era maior e mesmo quem estava por fora do circuito, percebia uma certa rivalidade que existia entre os grupos “pequenos” e os “grandes”. Atualmente a situação é bem diferente, não dá pra falar que o teatro perdeu força na cidade, mas a verdade é que o teatro perdeu muito do incentivo que chegou a ter outrora. Hoje a quantidade de grupos é bem menor e, apesar de termos ganho um espaço para encenações na cidade, a Sala Chiquinha Dias Paes, a quantidade de peças continua pequena e o público restrito. As coisas pioraram em alguns aspectos, mas isso acabou tendo um impacto positivo, a rivalidade que existia no passado parece ter acabado e foi graças a união daqueles que ainda persistem na batalha pela cena, que o 1° Fetuba pode acontecer.

By Cleverson Montanha

Recolocar Ubá no circuíto dos Festivais não foi nada fácil e a principal dificuldade foi conseguir patrocínio, fato curioso em uma cidade onde circula tanto dinheiro. Graças a uns poucos incentivadores e à persistência dos organizadores, o evento aconteceu, mesmo sem grande apoio dos empresários locais. Entre os dias 21 e 24 de abril, trupes de Juiz de Fora, São João Del Rei, São João Nepomuceno, Guaçuí (ES), Conselheiro Lafaiete, Rio Espera, Senhora de Oliveira e Cataguases se apresentaram na cidade. Os espetáculos aconteceram na Sala Chiquinha Dias Paes e na Sede da antiga estação ferroviária da cidade (prédio tombado pelo patrimônio cultural do município).

Eu tinha planejado de assistir a cada uma das peças encenadas, mas devido à questões de horários, precisei fazer opção por apenas algumas delas. Assisti a um total de 7 espetáculos, sendo 2 deles na quinta-feira, 2 no sábado e 3 no domingo. Minha jornada no primeiro dia já começou com um leve pesar, eu já tinha perdido a peça Uai Zé, do grupo Os Mineirinhos de Senhora de Oliveira. A Dança da Escuridão Butoh, do grupo En-Cena de São João Nepomuceno foi então a minha peça de abertura. O espetáculo é inspirado em uma dança surgida no Japão do pós-guerra, e usa o corpo como forma de expressar a incompletude do ser humano. A peça, que retrata a angústia da condição humana, começa com uma cena em que dois personagens se tocam e se acariciam, parecendo explorar seus corpos, o contato com o outro lhes traz prazer, porém a dor vem logo em seguida, ela é anunciada pela trilha sonora melancólica que se desenvolve. Numa das cenas um personagem parece querer se livrar da própria pele, para assim fugir daquilo que sente. A peça é muito boa e os atores merecem aplausos pela ousadia daquilo a que se propuseram, falta um pouco de precisão nos movimentos, o que talvez venha com o tempo e com a prática.

Da Sala Chiquinha Dias Paes, fomos para a Estação, sem dúvidas, a próxima era a apresentação que eu mais esperava, era A Odisséia – Nunca Voltar Para Casa Foi Tão Difícil, inspirada na obra de Homero, encenada pelo grupo Manicômicos de São João Del Rei. O efeito da peça SerTão Menino, encenada pela mesma trupe no último festival, estava ainda bem vivo em minha memória, aquele fora um dos melhores espetáculos de minha vida. Não nego que acabei tendo um pingo de decepção aos assistir a remontagem da saga de Ulisses, mas apesar de não ser tão boa quanto a anterior, a peça provou mais uma vez a qualidade do trabalho que o grupo vem desenvolvendo. Os atores, alunos da 4° turma de atuação que os Mancômicos formaram, demonstraram agilidade e sintonia na adaptação, que se desprendeu com êxito do texto original. O não uso de cenários complexos e uma trilha sonora que se constrói ao vivo durante a peça, que parecem ser características da trupa, foram, também desta vez, um grande atrativo e um ponto a favor do espetáculo, que também contou com ótimas atuações.

A Cor Desta Noite, do grupo Gota Pó e Poeira de Guaçuí (ES), encena na Sala Chiquinha Dias Paes, foi a primeira peça que assisti no sábado. Com um roteiro inteligente, que aborda com maestria temas complexos como a identidade criativa, a reclusão e o conflito existencial. O espetáculo encena a relação de um artista, Pedro, com sua musa/modelo, Luiza. Ele prefere a reclusão de seu ateliê ao preto e branco da realidade, onde seria privado de seu dom criativo, ela, que parece enxergar o mundo de forma diferente, tenta lhe alertar dos riscos de sua reclusão e lhe trazer de volta para o mundo real. Luiza, que não aguenta mais fazer parte daquela fantasia, forjada com mentiras de ambos, tenta se libertar da presença de Pedro e de tudo que ela representa. O roteiro é muito bom e consegue manter o ritmo durante mais de uma hora de peça. Os atores deixam a desejar em alguns momentos, mas o simples fato de terem conseguido decorar todo o roteiro já é um mérito e os momentos de ápice da peça compensam os poucos deslizes.

Palhaço da Vida, monólogo do "grupo" Eu & Myself de São joão Nepomuceno, encenado na estação, veio logo em sequência. Na peça um ator decadente narra suas peripécias e lamenta o destino a que foi acometido, descrevendo sua tragetória desde o passado de glória até o presente, onde se encontra tomado por vícios, desilusões e pela loucura. O ator é excelente, pela forma com que mergulha em seu papel, diria que ele parece ser um dos adeptos do Método Stanislavski, a construção do personagem parece ter sido realmente muito bem trabalhada, porém a trama não se sustenta. O roteiro, mesmo tendo sido bem escrito, se torna um pouco cansativo com o tempo e se a peça só não se torna chata, o mérito é do ator. Não fiquei para conferir os vencedores do festival, mas não seria injustiça dar a ele o prêmio de melhor atuação da mostra.

No domingo à tarde, lá estava eu, indo de novo para a antiga Estação, quando cheguei o espetáculo tinha acabado de começar, a peça era uma releitura de A Megera Domada de Shakespeare, encenada pelo grupo Gota, Pó e Poeira. Foi a única comédia que assisti na mostra e ela me arrancou boas rizadas, algumas tiradas dos personagens durante a peça são impagáveis. A trupe ousou ao remontar a encenação original sob um novo contexto e com uma nova linguagem, mas a adaptação foi muito bem sucedida e alguns dos atores deram um verdadeiro show de interpretação. A interação com o público, que parecia ser um grande diferencial, acabou não o sendo, da metade para o final o ritmo parece ter sofrido alguma alteração e o abuso das “brincadeiras” com o público se tornaram a partir de então um fator mais negativo do que positivo, afinal o conteúdo colaborativo às vezes não sai conforme esperado. Ainda assim a peça é muito boa, arrisco a dizer que foi uma das melhores do festival. O grupo mostrou grande competência ao remontá-la, e isto ficou perceptível também pelos figurinos e maquiagens, ótimos. Era o sinal de que o final do domingo ainda prometia.

Tiro ao Alvo, encenado pelo grupo Criarte de Juiz de Fora, foi minha grande surpresa, foi na minha opinião a melhor dentre as peças que assisti, tanto em questão de roteiro, quanto em atuações, levando se em conta todo o elenco. O roteiro, escrito nos anos 60 pelo juiz-de-forano Flávio Márcio contém críticas ácidas à repressão que o país vivia na época e à hipocrisia de uma família da classe média, microcosmo que procura retratar. A Trama da peça gira em torna da família Santana, uma espécie de espelho deturpado do sistema social então vigente. A família tem valores invertidos, mas apesar disso, tem a mesma preocupação que a nossa sociedade tem em manter as aparências. O mote da peça é a desclassificação do filho do casal em uma competição de tiro ao alvo. A derrota cai como uma bomba no seio familiar e cada um dos personagens tentam achar uma justificativa para o fato, porém nos diálogos fica claro que a família não consegue se ouvir e estar enquadrado no sistema se torna, então mais importante para eles que qualquer outra coisa. A abertura da peça feita por um arauto, que anuncia ironicamente o que está por vir, é seguida por uma cena em que o pai injeta drogas na esposa e na filha, ao som de What a Wonderful Word de Louis Armstrong. Numa das melhores cenas, a filha confessa para a mãe, tremendo de medo, que ainda é virgem. A mãe a repreende e dia que vai contar para o marido tamanho desgosto. O humor ácido da peça, quase lhe tira a classificação de “drama”, a substituindo pela de “comédia de costumes”. Os comentários durante a encenação deixou claro, que pouca gente deve ter pescado as referências e citações que a peça faz, para a maior parte do público presente o mais marcante provavelmente foi a sequência que tornou a peça restrita a maiores de 16 anos.

O 1° Fetuba foi encerrado com brilhantismo pelo grupo Roda de Conselheiro Lafaiete, que trabalha principalmente montagens feitas com textos literários. A peça encenada foi Perfume de Rosas, que se baseia em fragmentos da obra de Clarisse Lispector, Cora Coralina, Adélia Prado e no texto O Último Discurso de Charlie Charplim (do filme O Grande Ditador), para propor reflexões sobre a inércia provocada pelo corre-corre e pela rotina da vida moderna. A encenação nos chama para a verdadeira vida, que começa apenas quando deixamos de estar acostumados com aquilo que o mundo ao nosso redor nos oferece. Recorro ao clichê para dizer que o encerramento foi feito com chave de ouro. Os cinco atores que participaram da peça/recital demostraram total entrega aos seus respectivos personagens. A montagem também se destaca pelo cenário, que evoca a esperança, que a encenação tenta passar, através das rosas que são lançadas e depois colhidas em meio a monte de folhas secas. O incenso e os cartissais que cercavam o cenário, aliados aos figurinos, trouxeram um clima dark à peça, que não constrata no fundo com a urgência da mensagem que estava sendo emitida.

Em cada uma das peça que assisti, pude perceber aquilo, que na minha opinião foi um dos pontos fracos do festival: a falta de educação de parte do público. Os cochichos e murmurações durante as peças e a porta lateral da sala que era aberta nos momentos mais inoportunos, incomodaram bastante, mas felizmente não foram suficientes para me furtar a apreciação de cada um dos espetáculos, nem mesmo os celulares, que tocaram em três das peças, o fizeram. No final voltei pra casa lamentando não poder ter assistido às outras apresentações e tomado por um grande desgosto com relação à situação cultural de Ubá... Na maioria das apresentações o público era constituído, em sua maior parte, de organizadores e integrantes de alguns dos outros grupos que estavam participando da mostra. Cheguei a me questionar se isso poderia ser devido à falta de informação (apesar da organização ter investido na divulgação, pouca gente sabia do evento), ou se seria realmente pela falta de cultura da nossa cidade provinciana, que ao que parece, sabe muito sobre produzir e vender móveis (somos o 3º polo moveleiro do país, báhh) e pouco sobre valorizar a cultura e arte. Tenho que reconhecer o grande mérito de cada um dos envolvidos na organização, principalmente aqueles que investiram dinheiro do próprio bolso na realização, pois infelizmente, promover cultura em Ubá realmente parece ser jogar pérolas aos porcos...

Não deixem de confirir o SlideShow feito com imagens do festival, capturadas pelo fotógrafo ubaense, Cleverson Montanha. Clique AQUI para assistir!
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2 comentários:

  1. Comparado ao nível de festivais de outras cidades, annnd a imaturidade de Ubá para esse tipo de evento, posso dizer que o Fetuba foi incrível.
    Não quero dizer que não possa melhorar, mais que, dentro das limitações de Ubá, foi muito bom...

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  2. PS. ''A Odisséia – Nunca Voltar Para Casa Foi Tão Difícil'', também foi uma das peças que eu mais ansiava para assistir, e super valeu a pena, achei incrível!

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