Farrapo Humano (The Lost Weekend) - 1945. Dirigido por Billy Wilder. Escrito por Billy Wilder e Charles Brackett, baseado no livro de Charles R. Jackson. Direção de Fotografia de John F. Seitz. Música Original de Miklóz Rózsa. Produzido por Charles Brackett. Paramount / EUA.
Billy Wilder entraria para a história como um dos maiores diretores de Hollywood, tal reconhecimento que ele conquistou não foi devido apenas à qualidade de suas obras, mas também à sua versatilidade. Wilder transitou com desenvoltura por diversos gêneros cinematográficos dentre eles, o drama, o noir e a comédia, deixando como legado uma das filmografias mais importantes do século XX. Produções como Crepúsculo dos Deuses (1950), A Montanha dos Sete Abutres (1951), Quanto Mais Quente Melhor (1959) e Se Meu Apartamento Falasse (1960) se tornaram alguns dos maiores clássicos da história da sétima arte, sendo ovacionados pelo público e pela crítica. O diretor foi um dentre tantos, que na primeira metade do século passado, deixou a Europa e foi para os Estados Unidos fugindo da guerra, sua mãe e avós maternos foram mortos em Auschwitz.
Ao chegar na América em meados da década de trinta, Wilder firmou uma duradoura parceria com o roteirista e produtor Charles Brackett. Farrapo Humano (1945) foi um dos frutos desta colaboração, dirigido por Wilder e produzido por Brackett, o filme rendeu o Oscar a ambos, respectivamente na categoria de Melhor Direção e Melhor Filme. O filme ainda ganharia o prêmio em duas das outras cinco categorias a que fora indicado. O longa foi o primeiro a tratar o alcoolismo abertamente como um drama, deixando de lado a figura cômica do bêbado, que o cinema explorava até então. O realismo contundente da trama, reforçado pela atuação magistral de Ray Milland, que interpreta o personagem principal, tornariam o longa um dos retratos mais fiéis da degradação de um viciado.
Ao narrar o drama de Don Birnam (Milland), Farrapo Humano tocou em uma verdadeira ferida da sociedade americana. Desde o período da recessão econômica e da Lei seca, o alcoolismo já era tido como um dos principais problemas sociais dos Estados Unidos. Durante os anos 30, a proibição do comércio de bebidos alcoólicas, ao contrário do que o Estado esperava, tornara o problema ainda mais grave, impulsionando ainda mais o consumo (o velho fetiche da proibição: o que é proibido é mais prazeroso) e deixando lotadas as instituições que davam assistência aos viciados. O brilhantismo do longa está em retratar esta realidade sem usar nenhum atenuante, a adaptação nos induz a mergulhar no fundo do poço junto com o personagem principal e provar cada uma das sensações que ele experimenta, iniciando assim um processo que caminha para a catarse.
A história, como o título original do filme sugere, está centrada em um final de semana na vida de Don Birman, mas o recurso de flashback é usado para nos mostrar que a situação vivida por ele teve um início relativamente banal e que pode acontecer com qualquer um. Don era tido como um promissor escritor na época da faculdade, porém ao se formar ele se vê diante de um hiato, ele se convence de que não consegue escrever se não estiver sob o efeito da bebida. Passando a beber cada vez mais, ele já não consegue mais se concentrar e escrever uma linha sequer. A dependência afeta suas relações e a forma com que seus vizinhos e amigos o vêm. Por não tem um emprego, Don passa a viver às custas do irmão, Nick (Phillip Terry), que paga seu aluguel e o dá o que vestir e comer. Além de Nick, a única pessoa que se preocupa com ele e acredita em um recomeço é Helen St. James (Jane Wyman), sua namorada.
O estado em que Don se encontra o impede de enxergar o esforço daqueles que tentam o ajudar, o final de semana mostrado no filme começa com otimismo, todos estão acreditando que Don está há uma semana sem beber e Rick pretende levá-lo para uma fazenda, onde ele poderá relaxar e se divertir longe das bebidas. Desnecessário dizer que nada disso acontece, Don não consegue cumprir seus compromissos e para conseguir mais uma dose (sempre mais uma) ele fará qualquer coisa, ele irá mentir, trapacear e até roubar. A situação caminha para um aparente final trágico, que Helen tentará evitar a todo custo. O caminho até o fundo, traçado de bar em bar, mostra o desprezo de todos pelos alcoólatras. A consciência coletiva dos Estados Unidos da época é personificada pelo dono de uma taberna, que se importa apenas em vender os drinques sem se preocupar com estado físico e mental de seu cliente.
Além do roteiro excelente, Farrapo Humano se destaca pela fotografia e pela trilha sonora, que dão a noção precisa da forma com que o personagem principal enxerga sua realidade. Ao assistir ao filme, preste atenção na maneira com que as luzes e as sombras são usadas, em alguns momentos o personagem parece que vai ser engolido pela escuridão que o envolve (entendo isso como uma espécie de herança da fase noir do cineasta). As atuações secundárias são fracas e chegam a estar destonantes se comparadas com a verdadeira incorporação feita por Ray Milland, ele fez jus ao Oscar e a tantos outros prêmios que recebeu pela sua atuação. A sequência em que Don tem alucinações causadas pelo delirium tremens (psicose provocada pela abstinência) é uma das mais fortes do filme e um dos melhores exemplos do mergulho assustador que Milland fez em seu personagem. Farrapo humano é um clássico atemporal, que sem dúvidas merece ser visto. Recomendo!
Farrapo Humano ganhou o Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro e Melhor Ator (Ray Milland), tendo sido indicado também aos prêmios de Melhor Fotografia, Melhor Edição e Melhor Música. No Globo de Ouro o longa foi o vencedor nas categorias de Melhor Filme - Drama, Melhor Diretor e Melhor Ator - Drama (Ray Milland). Farrapo Humano ainda ganhou o Grande Prêmio do Juri e o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes.
Não consigo acreditar que é a primeira vez que visito este blog tão bom. Confesso que fui atraída pelo filme Farrapo Humano, que por sinal é um dos meus preferidos. Teu post ficou fantástico, me deu até vontade de rever o filme.
ResponderExcluirParabéns pelo espaço; aproveito para seguir o teu blog!
Faço coro com Rubi, teu blog é cativante. Tens um cuidado em escrever e selecionar abordagens distintas, é bom assim, falar de vários tipos de filmes. Gosto muito dos clássicos e este é uma obra notável. Milland mereceu o Oscar, mas a direção ajudou, visto que é apurada. Curioso que eu revi esse recentemente e acho que o filme não envelheceu em nada. Se mantém firme e afiado.
ResponderExcluirParabéns pelo blog, pelo texto, te sigo e já linkei o teu blog ao meu. Conheça o meu espaço e proposta. abs
Ótimo filme e ótimo blog. A atuação de Ray Milland é antológica.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
eu sou um ex alcoolatra, gostei muito, pra mim é um santo remedio
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