Passion - 2012. Escrito e dirigido por Brian De Palma, adaptado do roteiro original de Natalie Carter e Alain Corneau. Direção de Fotografia de José Luis Alcaine. Música Original de Pino Donaggio. Produzido por Saïd Ben Saïd. SBS Productions, Integral Film e France 2 Cinéma / França | Alemanha.
A competitividade, o imediatismo e a busca enlouquecida pelo poder são alguns dos temas abordados em Passion (2012), o novo filme de Brian De Palma, um triller psicológico ambientado no mundo hostil das grandes corporações. Em seu desenvolvimento, o longa conduz o expectador pelo que seriam níveis diferenciados de realidade, no quais o absurdo kafkiano, que gradativamente toma conta da narrativa, se torna um elemento capaz de chamar a atenção para a irracionalidade de alguns atos e posturas, que evocam a natureza deste meio, no qual não raramente a ambição desmedida se sobrepõe à conduta ética. Algumas sequências do filme chegam a parecer forçadas e improváveis beirando assim ao surreal; acredito, porém, que esta foi a forma encontrada para retratar o quão degenerado é o ambiente no qual a história se passa.
Isabelle James (Noomi Rapace), a protagonista, trabalha no setor de criação de uma grande empresa, seu comportamento nos primeiros momentos do filme evidencia uma certa ingenuidade, à princípio ela aparenta acreditar que sua ascensão profissional acontecerá quando reconhecerem a qualidade de seu trabalho, por conta disso ela acaba se dedicando a ele com total entrega, porém, ao ter seu tapete puxado pela sua superiora hierárquica, a perigosa Christine Stanford (Rachel McAdams), ela decide entrar de fato na disputa e jogar o mesmo jogo que seus pares e superiores aparentam jogar. Tal decisão a coloca em um processo de crescente degeneração moral, que a torna cada vez mais semelhante ao meio no qual está inserida.
Christine Stanford, por sua vez, aparenta ter tomado a forma deste meio já há muito tempo, a naturalidade com que ela lida com a própria falta de escrúpulos evidencia uma total ausência de culpa em seu comportamento. Pode-se dizer que ela é um arquétipo, afinal de contas a aparente complexidade de sua criação não lhe subtrai o maniqueísmo, ela é basicamente aquilo que aparenta ser, não há camadas em sua composição e este acaba sendo o seu traço mais marcante. É por meio de Isabelle - esta sim uma personagem pressupostamente complexa - que o roteiro tenta envolver o expectador com a temática abordada e com a reflexão proposta, nota-se que nas primeiras passagens há uma evidente intenção de aproximar a protagonista do público e a condição de vítima, na qual ela é apresentada, colabora muito para que isso realmente aconteça.
No decorrer do filme, no entanto, há um processo de distanciamento da personagem em relação ao público, que culmina no ato que comprova que ela de fato vendera sua alma, este processo é de extrema importância para a narrativa, pois é através dele que o roteiro desenvolve e alimenta o suspense presente em todo o seu desenvolvimento. É interessante perceber como alguns elementos que compõem a parte visual do longa dialogam com a questão central de sua trama, que é a degeneração moral da personagem principal, à medida em que Isabelle passa a fazer escolhas condenáveis, sua figura adquire uma aura sombria e o reflexo disso se torna presente em todo o ambiente à sua volta, a construção da mise en scène sugere que podemos estar dentro de um pesadelo e tal impressão é reforçada pelos cenários sombrios, que são fotografados em formatos assimétricos e distorcidos (o que remete à estética do expressionismo alemão).
A assinatura do Brian De Palma pode ser facilmente notada na escolha dos enquadramentos e nos movimentos de câmera, sua perícia técnica é inquestionável, todavia, ainda cabe aqui a seguinte pergunta: Tudo isso realmente funciona? Eu particularmente acredito que sim, mas não em sua plena potencialidade. Se por um lado a adoção do absurdo - que influencia diretamente na escolha dos elementos de linguagem - reforça a sensação de estramento que o filme é capaz de causar, por outro ele acaba diminuindo o impacto provocado pela trama, que, penso, poderia ser mais forte se a história fosse plausivelmente real. Porém, considero o roteiro o aspecto mais frágil de Passion, o ritmo por ele conferido faz com que tudo no filme acontece relativamente rápido demais, inclusive a transformação da protagonista, e esta velocidade reduz consideravelmente a margem para reflexão e o filme como obra autoral acaba perdendo muito com isso.
Eu, particularmente, não acredito que Passion tenha sido uma grande decepção, como uma boa parte da crítica tem apontado, de fato ele não consegue atender às inúmeras e enormes expectativas criadas em torno de seu lançamento, mas ele não deia de ser um bom filme, que continua merecendo ser visto por diversos motivos, dentre eles os já citados elementos técnicos (nos quais se concentra a quase totalidade da expressão autoral de De Palma) e as boas atuações do elenco principal. Não é nem de longe uma obra-prima, mas também não chega nem perto de ser um dos maiores desacertos do ano.
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.
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