Tiranossauro (Tyrannosaur) - 2011. Dirigido e Escrito por Paddy Considine. Direção de Fotografia de Erik Wilson. Música Original de Dan Baker e Chris Baldwin. Produzido por Diarmid Scrimshaw. Inflammable Films e Warp X / UK.
Tiranossauro (2011) marca a estreia do ator Paddy Considine como diretor e roteirista em um longa-metragem, este filme nasceu de sua primeira incursão do outro lado das câmeras, que resultara no curta Dog Altogether (2008), que já trazia em sua trama alguns dos personagens que seriam revisitados neste primeiro longa. Considine nos surpreende da melhor forma possível, tanto pelo seu roteiro quanto pelo seu trabalho de direção e o resultado disso é um filme consistente, maduro e sem arestas a serem aparadas. Sua história foge de fórmulas fáceis e de qualquer tentativa de se tornar superficial, nela não há amenizantes e nem nada que fossa servir como alívio para o drama doloroso e denso que ele explora.
O filme fala sobre desestruturação familiar, violência urbana e busca por redenção e ao abordar tais temáticas ele acaba se tornando um retrato sombrio da degradação do gênero humano. Um de seus maiores trunfos é que seus personagens não são unilaterais, apesar de eles lidarem com duros problemas e apresentarem uma conduta muita vezes repreensível eles são dotados de virtudes, porém o meio no qual eles vivem parece esgotar qualquer possibilidade de recomeço... Desde os primeiros minutos de duração, o roteiro deixa pairar no ar as questões centrais que irão nortear toda a trama: Até quando o sofrimento pode ser suportado? Há um limite para a perseverança?
Na história, Joseph (Peter Mullan) é um homem amargurado e embrutecido, seu comportamento, marcado por constantes explosões de violência, evidência um histórico de batalhas não ganhas, no qual o sofrimento se tornara uma constante. Percebemos desde o início do filme que o personagem não é tão somente uma vítima das circunstâncias, isto fica evidente pela culpa que ele carrega consigo, com a qual ele não consegue lidar. Ele reconhece que errou muito em seu passado, no entanto ele se vê como alguém incapaz de recomeçar, ele não acredita que seus atos possam ser perdoados, nem que seja possível algum tipo de redenção. Na primeira sequência do filme ele mata seu cachorro, naquele que seria apenas mais um de seus rompantes de violência, e a partir de então ele passa a se culpar também por isso...
O ataque covarde desferido contra o animal exemplifica o comportamento dúbio de Joseph e como o seu de lidar com a consequências de seus atos não pensados acaba influenciando todas as áreas de sua vida. Esta primeira sequência não está no roteiro por acaso, além de dar um gancho para algo que acontecerá perto do final do filme, ela ainda nos fornece o que seria a base do perfil psicológico do personagem. Através da forma com que ele lida com a perda do amigo canino e com a culpa advinda dela, compreendemos também a sua forma de lidar com as outras coisas que ele perdeu durante sua vida, incluindo a esposa e a esperança... Após mais um arroubo de agressividade, Joseph invade uma pequena loja da vizinhança e Hannah (Olivia Colman), a dona do estabelecimento, ao invés de tentar expulsá-lo o acolhe e ora por ele, este pequeno ato dela surge na história como lampejo de esperança para o viúvo solitário...
Hannah é altruísta e compassiva, ela compreende o sofrimento de Joseph e tenta o confortar, contudo ele novamente reage de forma agressiva, atacando a crença religiosa na qual ela se ampara e ironizando a sua presumida condição burguesa. Com suas palavras duras, ele acaba a machucando, ao tocar em uma ferida não cicatrizada que ela aparentemente tentava esconder. O que ele até então não sabia é que eles tinham muito mais em comum do que ele podia imaginar... Com o passar dos dias, eles vão conseguindo pouco a pouco superar as diferenças que vieram à tona na primeira vez que se encontraram e uma forte cumplicidade surge entre eles. Um acaba impactando na vida do outro reciprocamente e isso transforma a maneira com que ambos enxergam suas próprias realidades. A amizade que nasce entre eles não elimina o sofrimento de suas vidas, mas lhes dão, a ambos, uma nova oportunidade de recomeçar.
Tiranossauro é praticamente o avesso de um feel good movie, ele é pesado e incômodo e definitivamente não podemos esperar dele qualquer tipo de exaltação humanista ou catarse. Sua trama é assustadora por ser potencialmente real e seus personagens não passam de pessoas comuns, cujos comportamentos são na maioria das vezes uma resposta ao meio e não tão somente o resultado de uma natureza individual e intrínseca. Eu pessoalmente não creio na premissa defendida pelo filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau, que dizia que o homem em seu estado natural é bom, mas concordo com ele no tocante ao poder que a sociedade tem de corromper o indivíduo que está inserido nela e é este fenômeno que o filme ilustra brilhantemente.
O processo de degradação do indivíduo é abordado de uma forma impressionante no longa; há uma cena na qual Joseph é ameaçado por um vizinho violento, que promete dar ordens ao seu cachorro para atacá-lo caso ele não pare de fazer barulho, esta é a primeira passagem do filme na qual vemos o viúvo tentando se conter, após desistir de peitar a briga ele diz para um cachorro: "Não é sua culpa companheiro, não é sua culpa...". Ele compreende que, tal como ele, o cão age em resposta a um estímulo externo e não de acordo com sua própria vontade. Percebemos então que não há tanta diferença entre o comportamento humano e o do animal, ambos podem ser violentos e o fato de não serem eles próprios a origem do estímulo que o tornam assim não os isenta da responsabilidade pelos danos que podem provocar e ambos, tanto Joseph quanto o cachorro estarão sujeitos a pagaram pelo o que estão fazendo, sem compaixão ou misericórdia....
Peter Mullan está ótimo no filme, ele consegue ser convincente mesmo quando o comportamento de seu personagem varia de um oposto ao outro, percebemos em cada passagem o resultado de sua total entrega à interpretação, todavia a melhor atuação do filme é indiscutivelmente a de Olivia Colman, ela está fantástica em um papel que é bastante complicado, na maior parte da história o sofrimento de sua personagem não está aparente, ele está camuflado sob uma máscara social, no entanto a atriz consegue expressar até esta dor que está internalizada, percebemos isso no olhar dela, nos gestos inseguros e na fragilidade que sua figura evoca. Todos os sentimentos da personagem são tão bem interpretados, que é possível perceber numa breve passagem o início da transformação que ela vivenciará durante o filme e que a levará a um ato supostamente inesperado.
A fotografia que explora cores frias, que remetem à condição dos personagens, e a trilha sonora, composta por canções lentas e melancólicas, são outros aspectos que merecem destaque e que ajudam a tornar este um dos melhores filmes de estreia de um realizador que assisti nos últimos anos. Paddy Considine provou que não é apenas um profissional querendo se aventurar em um território que lhe é desconhecido, ele sabia o que estava fazendo e mais, ele o fez da melhor forma possível. Estou certo de que boa parte do público apontará o incômodo que Tiranossauro é capaz de provocar como um defeito, quando este é na verdade um dos seus melhores aspectos, todavia não tenho dúvidas de que este é um filme que merece ser visto e refletido por todos... Recomendo!
P.S. Ao assistir o longa, preste atenção na inusitada referência a Jurassic Park de Steven Spielberg, que explica o porquê do título 'Tiranossauro'.
Tiranossauro ganhou o BAFTA de Melhor Filme Britânico de Estreia de um Roteirista, Diretor ou Produtor. No Festival de Sundance ele ganhou o Prémio Especial do Júri (Ficção Drama) e o de Melhor Realizador (Cinema Mundial - Ficção/ Drama), tendo sido indicado também ao Grande Prêmio de Juri (Cinema Mundial - Ficção/ Drama).
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,
Um dos melhores filmes que assisti recentemente. Ótima crítica. Parabéns. A dupla central esta perfeita, um filme que instiga os sentimentos. Abração.
ResponderExcluirEle mexeu muito comigo Celo, realmente foi um soco no estômago, gostei muito das atuações e acho uma injustiça o Peter e a Olivia não terem sido tão lembrados nas premiações, pois ambos estão ótimos!
ExcluirGente, como não conferi este filme ainda? Fiquei encantada com a história e a forma adotada que vc cita. Vai para a minha lista já!
ResponderExcluir;D
Karla, ele é ótimo, é um drama angustiante e pesado, do tipo que ficamos ruminando por dias, você precisa assistir...
ExcluirOi Bruno
ResponderExcluirVc sempre com ótimas resenhas, eu já te disse isso e repito, graças a vc eu deixei de assistir só os filmes que como vc diz "tem que desligar o cérebro" kkkkkkk, se eu conseguir, vou assisti-lo, com certeza, sua indicação é sempre bem vinda.
Bjos e uma ótima semana.
Assista sim Lu, a história dele é ótima, ela, apesar de forte, nos oferece uma boa reflexão sobre como de fato é a vida...
ExcluirUm título estranho para um filme que parece interessante. Gosto de filmes pesados e incômodos, pois eles deixam um questionamento ao fim.
ResponderExcluirO título parece estranho à primeira vista Gilberto, eu também achei, mas o filme explica muito bem o porquê dele... Eu também gosto muito deste tipo de filme, principalmente por eles não trazerem uma visão tão romantizada da realidade...
ExcluirJá assistiria o filme só por esse cartaz sensacional, e então vem mais a sua resenha elogiando o longa... To doido pra ver!!!
ResponderExcluirhttp://monteolimpoblog.blogspot.com.br/
Assista sim Gabriel, é um filme excelente, seus atrativos são bem diferentes daqueles que estamos acostumados a ver no cinema mainstrean e justamente por isso ele merece tanto ser conferido...
ExcluirOlá Bruno,
ResponderExcluirTambém achei estranho o título do filme. Alias, título de filme é igual capa de livro, nem sempre reflete verdadeiramente seu conteúdo. O filme parece ser muito provocante, de acordo com sua resenha e, por isso, mais uma sugestão anotada.
Abraços, Flávio.
--> Blog Telinha Crítica <--
Olá Flávio, a verdade é que o título reflete e muito bem a temática do filme, mas para isso é preciso compreendê-lo, o roteiro do filme em determinado momento dá a explicação e ela faz todo o sentido...
Excluirbah, que massa. Vou baixar. Quando vi a capa e o título já fiquei com um pé atrás, mas depois da resenha saí um tanto quando curioso.
ResponderExcluirGosto desse tipo de filme, com pessoas comuns, dramas cotidianos e reais.
Abração.
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Site Oficial: JimCarbonera.com
Rascunhos: PalavraVadia.blogspot.com
Rasuras visuais: The-Tramp-Mind.tumblr.com
Baixa sim Jim, ele não tem relação direta com dinossauros, o título é apenas uma metáfora, que por sinal é muito bem explorada pelo filme...
ExcluirOutra dica bem legal, e me impressiono com os teus roteiros, descrevem o filme sem entregar o final ou o filme todo, bem legal Bruno. Vou anotar essa dica, por esses dias estou com o tempo corrido, mas depois vou ver se consigo assistir esse filme online.
ResponderExcluirAbração pra ti.
Sei como é a correria do dia-a-dia Paulo, ela tem me impedido de fazer muita coisa também, mas fica a dica para quando você tiver um tempo!
ExcluirSabia que eu não gostei? Mesmo sabendo que eu deveria! Sei lá, achei Peter Mullan muito bom, mas o filme me momento algum me empolgou.
ResponderExcluirA minha impressão foi oposta à sua Márcio, o filme realmente não empolga, na verdade esto nem condiz com aquilo a que ele se propõe, sua proposta é causar incômodo com a exposição de um tipo de realidade que geralmente não gostamos de ver e isso ele cumpre muito bem...
ExcluirOlá, José Bruno.
ResponderExcluirEm meio a tantos filmes que se baseiam mais no cenário, nos efeitos especiais, no nome do diretor e no fanatismo dos espectadores, crio que esses filmes mais simples sejam uma boa pedida.
Valeu pela dica.
Abraço.
É verdade Jacques e seria um erro da nossa parte não dar a eles a devida atenção, estaríamos perdendo a oportunidade de conferir excelentes obras!
ExcluirBruno,
ResponderExcluirVocê acredita que ganhei esse filme de um colega e tenho postergado assistí-lo; agora depois que li essa e outras resenhas, vou assistí-lo ainda hoje; devo dizer que cometi um grande erro, tudo em função do preconceito título.
Parabéns pelo comentário.